segunda-feira, 6 de agosto de 2007

SCHÖNBERG, Arnold - Noite transfigurada – (Verklärte nacht) – Op. 4

Departamento de Artes da UFPr
Revista Eletrônica de Musicologia
Vol. 2.1/Outubro de 1997

NORTON DUDEQUE

SCHOENBERG E A FUNÇÃO TONAL

Introdução
O termo função tonal tem apresentado uma utilização variada dependendo do autor que o utiliza, por este motivo faz-se necessária uma pequena discussão, apesar de ser ausente aos textos de Schoenberg, sobre o tópico deste artigo. Nesta seção é apresentada uma conceituação geral sobre este tema. Há também uma pequena distinção sobre duas correntes de pensamento da harmonia tonal, uma que segue os padrões tradicionais de redução de acordes a sua fundamental e a teoria funcional de Riemann.
Discute-se a função tonal na teoria schoenberguiana em dois níveis, um que trata da função tonal específica e outro que a considera a nível geral. No primeiro nível encontra-se a discussão sobre a função das notas específicas e a função dos acordes e no nível geral encontra-se o conceito das funções centrífuga e centrípeta.
Os conceitos estabelecidos de função são ampliados quando considerados os princípios que estabelecem novas relações funcionais e tonais. O primeiro destes refere-se à transferência de função por imitação de um protótipo ou modelo que pressupõe a transferência de uma função a outro acorde ou grau escalar, este princípio ainda adquire um caráter de função geral centrífuga por abrandar os elementos afirmativos de uma tonalidade. Introduz-se também o princípio de função múltipla dos acordes.
O segundo refere-se ao princípio da transformação dos acordes originado pelo processo de substituição. Este reafirma que a fundamental de um acorde é imutável pois é ela que mede as relações entre os acordes e que somente as outras notas constitutivas dos acordes podem ser alteradas. Assim este princípio adquire o caráter de função centrípeta pois reafirma o relacionamento das fundamentais de acordes à uma tônica central.
O princípio da função múltipla é apresentado e relacionado a uma categoria especial de acordes: os acordes vagantes. Esta é representada pelos acordes de sétima diminuta, pela tríade aumentada e pelos acordes de sexta aumentada. Estes são originados através da transformação de outros acordes e não apresentam uma função tonal definida, eles podem ser relacionados a várias tonalidades e podem ter inúmeras interpretações.
Função tonal - Conceituação Geral
O termo "função tonal", normalmente associado com o sentido de "função harmônica", está longe de ser definido de forma clara e definitiva. Seu uso tem sido vago a medida que foi ganhando uma maior freqüência. Basicamente, função significa sentido harmônico ou ação (1), dois termos que têm apresentado um uso variado. Por exemplo, sentido harmônico ou função tonal, pode significar o uso de um grau da escala e suas variações, servindo como a fundamental de uma gama variada de acordes (2); ou pode significar a tendência de um acorde em se dirigir a outro (3); ou ainda pode ser associado às tendências de notas individuais de um acorde (4).
O uso mais freqüente do termo função tem sido o de relacionar o sentido harmônico de um elemento capaz de expressar uma tonalidade a um centro tonal. A questão principal é resumida na identificação destes elementos que expressam uma determinada tonalidade.
Geralmente, são identificadas duas teorias distintas na sua concepção e que se ocupam da questão da função tonal. Algumas vezes estas são consideradas contraditórias mas na realidade são complementares (5). A primeira refere-se a teoria tradicional, herdada de teóricos do século XVIII e XIX (por exemplo de Gottfried Weber e Georg Joseph Vogler), que diz respeito a redução de acordes a sua posição fundamental, tendo as fundamentais dos acordes assinaladas com algarismos romanos relacionando-os desta maneira com a tônica. A segunda, a "teoria funcional" de Hugo Riemann, que tenta reduzir as funções de todos os acordes de uma determinada tonalidade a apenas três principais: T, S, D (6). A distinção entre as duas teorias é apresentada na forma de que a primeira pode ser considerada melódica no seu caráter geral pois considera graus escalares como definidores de função tonal e a segunda harmônica pois considera acordes para tal definição.
A noção de Schoenberg de função tonal, como veremos, compreende ambas as tendências, e pode ser considerada uma teoria complete sobre este tópico. Primeiramente, ele considera elementos melódicos como capazes de expressar uma função tonal; segundo, ele introduz o conceito de transferência de função de um acorde a outro acorde, implicando que um acorde tem uma função tonal independente de qualquer uma de suas notas constituintes, tal como a sua fundamental; e terceiro, introduzindo o conceito de função múltipla, a função de um acorde é sempre estabelecida através do contexto em que se encontra.
A Função Tonal para Schoenberg
Na teoria schoenberguiana a função tonal depende diretamente do relacionamento entre acordes que expressam uma tonalidade. Assim, não há função tonal em uma sucessão de acordes onde não ocorre uma expressão tonal. Neste sentido distingue-se uma progressão de acordes de uma sucessão de acordes, a primeira expressa uma tonalidade de modo inequívoco, tanto por estabelecê-la quanto por contradizê-la; ao passo que uma simples sucessão de acordes não o faz de maneira satisfatória:
Uma sucessão é sem objetivo; uma progressão procura por um objetivo definido... Uma progressão tem a função de estabelecer ou contradizer uma tonalidade. A combinação de harmonias nas quais uma progressão consiste depende de seu propósito - se este é estabelecimento, modulação, transição, contraste ou reafirmação. Uma sucessão de acordes pode ser sem função, sem expressar uma tonalidade de forma inequívoca nem requerer uma continuação definida. (7)
Na conceituação geral de função tonal no pensamento schoenberguiano são identificados dois tipos de função: uma de caráter específico e uma de caráter geral. A primeira refere-se aos elementos específicos que através da sua utilização expressam uma tonalidade, estes são: notas individuais e acordes. Estes elementos específicos não adquirem o aspecto funcional por si só, mas sim dependem do contexto em que são usados e terão sua função tonal específica estabelecida pelo seu relacionamento com os outros elementos presentes no mesmo contexto, sendo portanto uma função indeterminada. Schoenberg explica que "cada acorde dado pode ter diversas funções, correspondendo a suas várias tendências, uma vez que ela não é inequívoca e que seu sentido [função] é estabelecido pelo seu contexto"(8).
A função geral refere-se a funções tonais que se utilizam dos elementos específicos para expressar de forma afirmativa ou para contradizer uma determinada tonalidade. Estas são: a função centrípeta, que estabelece uma tonalidade, e a função centrífuga, que contradiz uma tonalidade: "A função centrípeta de progressões é exercida por anular as tendências centrífugas, isto é, por estabelecer uma tonalidade pela conquista de seus elementos contraditórios"(9).
O conceito de função tonal para Schoenberg apresenta-se relacionado diretamente à expressão da tonalidade. Este conceito é muito mais amplo e complexo do que normalmente os teóricos afirmam e parte do princípio de que uma obra tonal tem suas funções tonais específicas e gerais relacionadas a uma tonalidade única que domina a obra por inteiro, representada pelo princípio da monotonalidade. Pelo princípio da monotonalidade "toda digressão da tônica é considerada ainda como estando dentro da tonalidade, mesmo que direta ou indiretamente, próxima ou remotamente relacionada"(10). Em última análise, o conceito de tonalidade como uma "monotonalidade", envolve uma rede de funções definidas pelos graus da escala, em que todas as notas, acordes e regiões tonais, cada qual com sua função específica, são relacionados a uma tônica central (11).
De forma geral, tonalidade e função tonal são bem resumidos por Patricia Carpenter:
Tonalidade para Schoenberg não é meramente uma coleção de notas, mas sim um tipo de centricidade. Todas as notas de uma coleção-tonal são relacionadas a um centro tonal único, cada qual de uma maneira específica. A função de uma única nota é simbolizada pelo grau da escala que ela representa, a de um acorde depende da sua fundamental, que por sua vez, é um grau escalar sobre o qual o acorde é construído. Tonalidade, portanto, é um conjunto de funções dos graus escalares. (12)
A função tonal específica ocorre em dois elementos: notas e acordes, sendo que cada qual é relacionado a um centro tonal único. A função das notas é definida por estes serem graus de uma escala relacionados à tônica de uma tonalidade ou a uma região tonal. Os acordes têm sua função expressa através de sua fundamental que se relaciona a um determinado centro tonal. Este relacionamento inclui o conceito de região que por sua vez relaciona um determinado segmento (ou acorde) de uma tonalidade a um centro tonal, como se fosse um grau de uma escala incluindo as funções de acordes e notas individuais. Com estes dois elementos funcionais, Schoenberg consegue relacionar qualquer segmento de música tonal com uma determinada tônica, não importando seu grau de cromatismo ou seu grau de distanciamento do centro tonal.
A contribuição mais significativa para a teoria funcional é o seu conceito de monotonalidade, que por sua vez engloba as regiões, substituição e neutralização, e que demonstra a unidade tonal em uma peça de música cromática. Através do princípio da monotonalidade e do conceito de regiões, é possível relacionar a um centro tonal o que anteriormente era entendido como tonalidade independente ou como outras tonalidades dentro da obra.
A relação tonal na monotonalidade é expressa através da Tabela das Regiões, um "schema" bem elaborado que representa todas as relações tonais possíveis dentro uma tonalidade. As relações tradicionais são apresentadas na Tabela como: 1) verticais, o círculo das quintas; e 2) horizontais, as relações de tonalidades relativas e homônimas. O princípio da monotonalidade de Schoenberg determina as distâncias tonais de regiões a partir da tônica. Esta classificação é baseada em um princípio de "notas comuns" no qual uma região com um número maior de notas comuns com a região da tônica é considerada "Direta e próxima", e aquelas com menos notas comuns "Indiretas e Remotas" ou "Distantes" (13).
Assim, notas cromáticas podem ser assimiladas dentro de uma tonalidade que em última análise será considerada como expandida.
Funções Específicas
Função das Notas

A possibilidade de expressar uma tonalidade através de notas características dos modos maior e menor faz com que determinadas notas adquiram um caráter funcional específico na teoria schoenberguiana. Este caráter funcional é acentuado quando é discutido o papel e a inclusão de sensíveis artificiais através da substituição e pelas leis das notas pivô (Wendepunktgesetze) que podem ser aplicadas a quaisquer notas que apresentem falsa-relação. Assim deduz-se que notas individuais adquirem a capacidade de expressar uma tonalidade através de determinadas funções, adquirindo portanto um caráter funcional.
As notas características têm como função primária o estabelecimento de uma tonalidade distinguindo-a das tonalidades mais próximas. A função dos 4º e 7º graus de uma escala é de extrema importância e previne uma possível falsa interpretação de uma tonalidade com sua vizinha mais próxima de ambos os lados do círculo das quintas. Estes graus escalares, 4º e 7º, atuam prevenindo a expressão de outras regiões tonais:
O 4º grau representa a região da subdominante (IV e II), e assim previne a interpretação de um segmento como se expressase uma tonalidade uma quinta acima. O 7º grau representa a região da dominante (V), e assim previne a interpretação de um segmento como expressando uma tonalidade uma quinta abaixo. Para alcançar um efeito cadencial, estas duas notas, ou suas substitutas, devem aparecer imediatamente antes da tônica final.(14)
Estas notas características não se encontram ligadas a nenhum acorde específico pois apresentam a mesma função em um número variado de acordes não importando sua fundamental. Elas devem ser consideradas como tendo uma função específica por si só.
O modo menor fornece outra função das notas individuais. Através do processo de substituição e neutralização podem ser criadas dominantes artificiais transferindo as funções dos 6º e 7º graus alterados ascendente ou descendentemente. As regras das notas pivô podem ser aplicadas independentemente de uma determinada região, uma vez que elas podem converter temporariamente qualquer grau da escala em um 6º ou 7º grau para fins de neutralização (15). As notas pivô e as notas nas quais estas são neutralizadas formam um modelo de funções de notas que se aplica a lugares onde ocorrem falsas relações: "Isto significa que toda nota não diatônica será considerada como um sexto ou sétimo grau de uma escala menor ascendente ou descendente" (16). Estas notas pivô ajudam a expressar uma tonalidade. A neutralização, por sua vez, ou sua falta, determina a função de uma nota substituta como tendo a função de uma "substituta cromática" ou uma substituta "quase-diatônica" que apresenta uma forte função centrífuga (17).
No exemplo 1 é ilustrada uma aplicação do caráter funcional dos 6º e 7º graus do modo menor que aqui são marcados por números (quando riscados indicam a introdução de nota substituta). Na seção a encontramos a neutralização ocorrendo nos últimos três compassos sendo que Schoenberg marca as notas com seus respectivos números: sol(7), fá(6), mi(5) e as notas substitutas 6 e 7 adquirem um caráter funcional distinto por tornar a expressão tonal, neste caso em lá menor, clara através dos 6º e 7º graus alterados ascendentemente. Na seção b, segundo compasso, Schoenberg indica a alteração da função do 7º grau da escala de si menor por introduzir a nota substituta lá#, 7, que adquire a função de sensível da tonalidade.


exemplo 1; extraído do Structural Functions, exemplo 36


Função da Fundamental de um Acorde
A função de um acorde é representada pela sua fundamental e definida através da relação desta com um centro tonal, uma tônica. Schoenberg enfatiza a importância da função da fundamental dos acordes sobre suas outras notas afirmando que "do ponto de vista das funções estruturais somente a fundamental de uma progressão é decisiva"
(18).
O grau da escala de uma fundamental é indicado por um número romano e pelos nomes tradicionais de função tonal, isto é, dominante, subdominante etc. Esta terminologia demonstra como uma fundamental de determinado acorde se relaciona com uma tônica e como ela expressa uma determinada tonalidade.
Por exemplo, em dó maior, o acorde maior sobre o quarto grau da escala funciona como uma subdominante da região da tônica
(19). Schoenberg explica que: "Os graus são indicados com números romanos, os seis primeiros têm nomes. I, tônica; II, supertônica; III, mediante; IV, subdominante; V, dominante; VI, submediante; e o VII não recebe nenhum nome aqui. Estes algarismos referem-se ao lugar que ocupam dentro da escala e determinam as relações funcionais das tríades (ou acordes de sétima, nona, etc.) construídas sobre eles" (20).
O estabelecimento de uma determinada função de um acorde também dependerá do seu contexto:
Uma tríade sozinha é inteiramente indefinida no seu sentido harmônico, ela pode ser a tônica de uma tonalidade ou um grau de várias outras. A adição de uma ou mais tríades pode restringir seu sentido a um número menor de tonalidades. Uma certa ordem promove tal sucessão de acordes à função de uma progressão.
(21)
A noção de região também é aplicada para a definição da função específica dos acordes. Cada região representa um segmento de uma tonalidade que envolve notas individuais e acordes. Estes elementos específicos adquirem sua função específica através do relacionamento estabelecido na Tabela das Regiões onde qualquer nota ou acorde pode ser relacionado a uma tônica central.
Transferência de Função por Imitação
Schoenberg menciona o princípio de transferência de função através do procedimento de imitar um modelo, um protótipo, e transferir suas características a outros elementos, quando se refere ao enriquecimento do sistema tonal:
O princípio da analogia, da imitação, que transfere as características de um objeto a um objeto diferente, produz, por exemplo, o sétimo grau alterado ascendentemente no modo menor. Devemos aderir a este princípio quando no desenvolvimento dos nossos estudos, repetirmos a transferência a outros graus do que é possível, por exemplo, sobre o II grau.
(22)
Utiliza o princípio da imitação, da analogia, para descrever todo o desenvolvimento histórico da harmonia, do desenvolvimento da escala diatônica até a incorporação de notas cromáticas ao sistema tonal. Aqui Schoenberg se refere a algumas críticas feitas por Robert Neumann
(23) quanto a apresentação do seu sistema de harmonia que trata do desenvolvimento dos recursos harmônicos que são explicados principalmente "através da imitação consciente ou inconsciente de um protótipo, cada imitação assim produzida pode, então, tornar-se um protótipo que pode, por sua vez, ser imitado"(24).
Acordes diatônicos que sofrem alterações cromáticas através de substituição, normalmente, procuram imitar as características e a função de outros acordes diatônicos. Assim a função de um "protótipo", um modelo, de um acorde diatônico é transferida para um outro grau da escala. Este é o princípio básico a que Schoenberg se refere quando explica a criação de dominantes secundárias
(25). Este princípio "tem a vantagem de permitir a transferência (imitação) de todas as funções manisfetadas pela tríade básica às novas dominantes secundárias". Assim, é identificado o princípio de transferência de função por imitação como estando presente no pensamento schoenberguiano.
As características de um determinado acorde podem ser transferidas para outro acorde qualquer, para tal, é estabelecida uma norma de conduta para a transferência de função. Esta, observa a tendência nos acordes com notas substitutas em imitar um protótipo comum como a progressão II-V-I.
Cada acorde requererá (se não for impedido pelo seu contexto) uma continuação como aquela do [algum protótipo] acorde (consistindo de notas completamente diferentes) que tem intervalos iguais. Assim, a constituição de acordes de sétima sobre os II, III e VI do modo maior é exatamente igual. Sendo que o [acorde]sobre o II tem uma função definida e familiar (II-V-I, II-V6/4-V), o ouvido, conseqüentemente, esperará a mesma continuação do III e do VI, que [agora] tem a mesma estrutura.
(26)
A transferência de função do II7 aos acordes de sétima nos III e VI graus pressupõe uma correspondência de possibilidades com as funções de tônica e dominante, isto é, a transferência das características dos I e V graus a outros graus de uma escala qualquer. Por exemplo, em dó maior, se o III7, imitar a função do II7, por sua vez o VI (com dó# substituindo dó natural) imitará a função do V, e o II (com fá# substituindo fá natural) imitará a função do I. Assim, a cadência que originalmente seria II7 - V - I, seria transferida com as mesmas funções para III7 - VI - II.
Através desta associação com as funções de tônica e dominante a transferência de função adquire um caráter desestabilizador da tonalidade, pois pressupõe uma nova tônica, ou no mínimo, um outro acorde com a função de tônica. Assim, transferência de função tem o caráter centrífugo por abrandar e afrouxar os "elementos afirmativos" de uma determinada tonalidade.
Transformação de Acordes
Transformação é originada através do procedimento da substituição. Quando discutindo sobre as transformações do II grau, Schoenberg escreve que estas "resultam da influência da D, SD e sd (subdominante menor). Sob a influência da D, a terça [menor] do II é substituída pela,..., terça maior"
(27). No entanto, a transformação não altera a função da fundamental, expressa como um grau da escala, de um acorde e seu relacionamento a um centro tonal. Assim, um acorde transformado através de substituição pode mudar, por exemplo, de uma tríade maior para uma menor, diminuta, ou aumentada, mas este acorde manterá sua fundamental, isto é, sua função como um grau da escala relacionado a uma tônica. Assim, Schoenberg mantém seu conceito de monotonalidade válido referindo-se a uma fundamental "monotonal" que é sempre mantida não importando quão remota e complexa possa ser a substituição ocorrida (28).
Schoenberg indica os acordes transformados através do uso de substitutas com algarismos romanos riscados. Por exemplo, II, significa segundo grau transformado, assim um acorde formado por ré - fá# - láb - dó, é cifrado simplesmente como II. O algarismo romano se refere sempre a fundamental do acorde, seja esta omitida ou não, e as notas substitutas introduzidas nos acordes normalmente não são indicadas quando da cifragem destes. Nas diversas análises presentes no Structural Functions a indicação das notas substitutas de cada acorde raramente ocorre. Fato justificável uma vez que Schoenberg analisa a harmonia sempre relacionando as fundamentais ao centro tonal. Ainda cabe lembrar ao leitor que a grande maioria das indicações referentes às notas substitutas nestas análises estão presentes no texto e que Schoenberg se preocupa mais em analisar regiões tonais do que acordes.
Schoenberg exemplifica as transformações no Structural Functions of Harmony com o acorde do II grau transformado com notas substitutas das regiões da dominante, subdominante e subdominante menor. Estas transformações produzem um certo número de acordes sobre o II grau e alguns até combinam notas substitutas de duas regiões distintas. Desta maneira são produzidos acordes de dominante secundária, tríades diminutas e acordes de sétima de dominante. No exemplo 2 em dó maior, nas seções a e b são encontradas a substituta fá#, da região da dominante, substituindo a terça do acorde (fá natural) e láb, da região da subdominante menor (ou da região da tônica menor), substituindo a quinta do acorde (lá natural). Na seção c, são combinadas duas destas substitutas para produzir um acorde com a terça alterada ascendente e a quinta descendentemente. Na seção d, transforma-se o acorde de II grau em um acorde de nona de dominante com a fundamental omitida. Sendo que este acorde é considerado como um acorde de sétima diminuta com a introdução das substitutas fá# e mib. Neste caso, Schoenberg é enfático em considerar este acorde de sétima diminuta como sendo um acorde de nona com a fundamental omitida, caso não o fosse ocorreria uma substituição da fundamental do acorde, o que para ele é falso e inconcebível
(29). Considerando que se a fundamental deste acorde fosse o II grau teríamos uma progressão V-I ou II-V, uma progressão forte e ascendente, uma cadência autêntica (30).


exemplo 2, extraído do Structural Functions, exemplo 50


Nas transformações as notas substitutas não podem tomar o lugar da fundamental de um acorde. As fundamentais são pontos fixos nos quais as relações tonais são medidas, e como tais elas devem manter-se diatônicas para assegurar uma clareza tonal. Para Schoenberg "a suposição de que a fundamental é alterada descendentemente deve ser rejeitada definitivamente. As fundamentais são, na nossa concepção, pontos fixos sobre os quais as relações são medidas. A unidade de todas as medições que encontramos é garantida pela imobilidade destes pontos" (31).
Quando Schoenberg faz esta afirmação está se referindo ao caso específico do acorde de sexta napolitana, que se considerado como tendo sua fundamental alterada gerará duas fundamentais distintas no II grau da escala: ré e réb. Se esta suposição fosse válida ter-se-ia que aplicar este mesmo princípio para todos os outros graus da escala, o que geraria a escala cromática como base dos eventos harmônicos. O acorde de sexta napolitana é derivado inteiramente da região da subdominante menor e não é criado através do processo de transformação. Schoenberg conceitua este acorde como sendo emprestado da região da subdominante menor na sua forma completa e inalterada
(32): "O acorde de sexta napolitana é emprestado sem modificação da sd onde é um VI natural" (33). A concepção de Schoenberg sobre a sexta napolitana adquire um caráter mais importante que o de um simples acorde que substitui a subdominante na mesma função. Através do princípio de transferência a noção de sexta napolitana é transferida aos outros graus da escala, tendo sua importância ressaltada e adquirindo assim um "status" de região tonal importante (34). De fato, apesar do acorde de sexta napolitana ser derivado da função de subdominante, esta harmonia chamou a atenção de vários compositores que a elevaram a condição de região tonal, negando que este acorde tenha a simples função de subdominante. Assim a concepção de Schoenberg sobre "a possibilidade de usar harmonias de uma maneira diferente das suas derivações originais"(35) é justificada pela sua utilização por vários compositores (36). Na literatura musical, o Quinteto em Dó maior, Op. 163 de Schubert, ilustra a utilização da região da napolitana (réb) que adquire um caráter estrutural importante dentro da obra. O exemplo 3 ilustra, através de uma redução harmônica de uma seção do desenvolvimento do 1º movimento, compassos 181-197, a região da napolitana que aparece diferenciada no contexto em que está presente (37).





exemplo 3 (redução do quinteto de Schubert c. 181-197)

A aplicação das transformações do II grau aos outros graus da escala gera uma grande ampliação das possibilidades harmônicas. Algumas formas destas transformações podem parecer demasiado longínquas para terem uma aplicação imediata. No entanto, Schoenberg direciona todas as transformações dos I, III, IV, V, VI e VII graus para a utilização dos modelos V-I, V-VI e V-IV, isto é, de acordo com seu modelo de progressão das fundamentais estudado anteriormente.
As alterações relativas aos acordes dos outros graus da escala são ilustradas no exemplo 4, em dó maior:



exemplo 4a, b, c, d, e, f, extraído do Structural Functions, exemplo 55


Para o modo menor aplica-se o mesmo procedimento que para o modo maior. Parte-se das transformações do II e aplica-se estas aos outros acordes sobre os outros graus da escala (ex. 5, em dó menor):



exemplo 5a, b, c, d, e, f, g , extraído do Structural Functions, exemplo 63

Os conceitos de transferência e transformação parecem ser contraditórios, mas na realidade são complementares. Transferência sugere uma função móvel, enquanto que transformação não admite substituição da fundamental e é baseada nas sete funções fixas dos sete graus da escala. Representam funções gerais complementares, a primeira é centrífuga enquanto que a segunda é centrípeta: transferência desafia a tônica por alusão a outras tônicas (centrífuga) enquanto que transformação afirma o poder de uma tônica central (centrípeta), independentemente de quão remota seja a substituição.
Estes dois conceitos podem ocorrer juntos em uma obra musical. Transferência promove a modulação entre regiões. A nova região é estabelecida por transferência de função para um novo grupo de graus escalares. Transformação simplesmente altera certos acordes através da utilização de notas substitutas mas mantém sua fundamental com uma função fixa.
Acordes Vagantes (Vagrant Chords) e Função Múltipla
Schoenberg ainda eleva o conceito de transferência de função ao "status" de princípio que é aplicado a "função múltipla" dos acordes
(38). Todo acorde, nota ou progressão de acordes tem função múltipla, isto é, pertence a duas ou mais tonalidades. Assim, conclui-se que onde existe função múltipla ou ambigüidade funcional, a função pode ser transferida. Na realidade, a função depende do contexto no qual um determinado acorde se encontra. De fato, para se fixar uma única e determinada função a um acorde ou a uma nota é um processo difícil e problemático, uma vez que até mesmo a função de tônica é passível de transferência e portanto de uma reinterpretação funcional.
Podemos examinar o princípio da função múltipla e o conceito de transferência em maior detalhe se identificarmos dois elementos na tonalidade de Schoenberg: a função dos graus da escala, designadas por algarismos romanos e por termos como dominante e subdominante; e as notas específicas designadas pelos seus nomes: mi, sol, etc.
Transferência de função ocorre a dois níveis: 1) quando uma coleção de notas permanece fixa e a função do grau da escala muda; e 2) quando a coleção de notas muda mas a função do grau da escala permanece a mesma. No primeiro caso temos a coleção de notas dó, mi, sol, uma tríade maior sobre a nota dó, que pode ser interpretada como sendo o I grau em dó maior, ou IV grau em sol maior, ou V em fá maior ou ainda III grau em lá menor. Assim, temos uma mesma coleção de notas permanecendo fixa e várias funções dos graus da escala sendo transferidas para a mesma coleção de notas. No segundo caso, uma única função pode aparecer com diversas coleções de notas. O I grau, a tônica, em dó maior tem a coleção de notas dó, mi, sol, em lá menor tem lá, dó, mi, e em sol menor tem sol, sib, ré. Todas estas coleções de notas distintas entre si têm a mesma função de tônica
(39).
Em resumo, o princípio da função múltipla presupõe a transferência funcional.
O princípio de função múltipla também é exemplificado por uma categoria especial de acordes que se prestam a transferência de função. Schoenberg chama estes acordes de "vagantes": "Tais acordes não pertencem somente a uma tonalidade de forma exclusiva; mas sim, podem pertencer a várias, a praticamente todas as tonalidades sem mudar sua forma"
(40). Ainda estes acordes são derivados das transformações e têm função múltipla por apresentarem uma constituição específica. Os casos mais evidentes são os acordes de sétima diminuta, a tríade aumentada e o acorde de sexta aumentada e suas inversões.
Estes acordes apresentam uma falta de sentido claro, de definição da sua fundamental, o que torna o seu sentido harmônico vago, isto é, sem uma relação definida com a tônica. A definição de uma fundamental de um acorde qualquer é devida em grande parte a sua forma assimétrica, por exemplo, em uma tríade maior encontramos uma terça menor acima de uma maior, e reconhecemos uma fundamental em parte por esta forma assimétrica. Nos acordes vagantes não encontramos uma forma assimétrica que possa ajudar a identificar uma fundamental, pelo contrário, sua forma é simétrica, normalmente uma repetição de um mesmo intervalo uma ou duas vezes e freqüentemente o intervalo de quinta justa que define uma fundamental não está presente, tornando assim a identificação de sua fundamental difícil
(41).
O acorde de sétima diminuta é um dos melhores exemplos deste tipo de forma simétrica. Composto por uma sobreposição de terças menores, este acorde apresenta uma forma completamente simétrica, mesmo nas suas inversões não apresenta nenhuma forma assimétrica que possa identificar uma fundamental. A relação da sua fundamental com outros acordes depende exclusivamente do contexto em que se encontra:
Cada uma de suas notas pode assim ser a fundamental, conseqüentemente, cada uma pode ser a terça, a quinta diminuta ou a sétima diminuta. Se invertermos o acorde, não surge nenhum modelo estrutural novo, distintamente da inversão de um acorde maior ou menor, nós sempre teremos terças menores (segundas aumentadas). Assim, nunca será claro a qual tonalidade ele pertence seja quando um acorde de sétima diminuta aparecer fora de contexto ou em uma [tonalidade] ambígua.
(42)
Para Schoenberg a fundamental de um acorde de sétima diminuta só é revelada quando da sua resolução através da progressão das fundamentais. Presupõe-se a fundamental deste acorde como sendo omitida e estando localizada uma terça maior abaixo de uma de suas notas. Na realidade, este acorde é um acorde de nona de dominante (V9) do modo menor, um acorde assimétrico. A função múltipla do acorde de sétima diminuta é acentuada pelo fato deste acorde pertencer a, no mínimo, oito tonalidades ou regiões. Depreendendo a conclusão de que cada nota presente nestes acordes é uma sensível em potencial, quatro para o modo maior e quatro para o menor.
No exemplo 6 é ilustrada a derivação do acorde de sétima diminuta que para Schoenberg se dá como um acorde do II transformado. Schoenberg inicia sua explicação com uma tríade diminuta sobre o II de dó menor. Este acorde é transformado para uma dominante secundária, depois para uma dominante secundária com 7ª e ainda para uma dominante secundária com 9ª menor. Omitindo a fundamental do acorde surge o acorde de sétima diminuta.



exemplo 6a, b , extraído do Theory of Harmony, exemplo 183

A tríade aumentada também é considerada como um acorde vagante por ser composta de dois intervalos iguais. Assim como o que ocorre com o acorde de sétima diminuta, a tríade aumentada pertence à várias tonalidades distintas, três maiores e três menores, sendo que suas notas são sensíveis em potencial. A tríade aumentada tem uma série de aplicações nestas tonalidades: "Ela pode ser introduzida, por causa da sua ambigüidade, depois de, quase, qualquer acorde" (43). Ela se presta para qualquer região como um acorde alterado de V grau ou como uma dominante secundária: "Tríades aumentadas podem ser usadas para produzir uma tônica, e que para este fim, podem ser introduzidas articialmente no V [grau] da tonalidade maior em questão, seguindo a idéia da dominante secundária. Elas são, mais simplesmente, introduzidas através de alteração cromática ascendente da quinta" (44).



No exemplo 7 é ilustrada a alteração da 5ª de um acorde de V dirigindo-se ao I:
exemplo 7, extraído do Theory of Harmony, exemplo 176

Define-se a utilização da tríade aumentada como sendo livre, pois como o acorde de sétima diminuta esta também é um acorde vagante e como tal apresenta uma grande ambigüidade na sua função tonal.
O acorde de sexta aumentada tem sua derivação de um acorde de II de nona menor nos modos maior ou menor e com sua fundamental omitida. No exemplo 6b, é ilustrado o acorde de sétima diminuta com sua 5ª alterada para láb e sua 7ª (mib) enarmonizada para ré#, surge a 6ª aumentada entre láb e fá# na primeira inversão do acorde (II6/5)
(45).
No exemplo 8, é encontrada a mesma derivação do acorde de nona menor com a 5ª diminuta e com a fundamental omitida, sendo que na sua forma 4/3, a sexta aumentada localiza-se entre láb e fá#. Comumente, este acorde é apresentado como tendo sua fundamental alterada de fá natural para fá#
(46). Na explicação de Schoenberg a fundamental do acorde - ré - não é alterada, mesmo sendo omitida. Schoenberg não reconhece a sexta aumentada partindo da alteração da fundamental, mas sim como estando entre a 5ª - láb - e a 3ª do acorde - fá#.
exemplo 8a, b, c, extraído do Theory of Harmony, exemplo 184
A reinterpretação enarmônica serve como uma ilustração da qualidade de acorde vagante, isto é, sem definição funcional específica a um determinado centro tonal. No exemplo 8c é encontrada a reinterpretação do acorde de sétima diminuta - fá#, láb, dó, mib - para servir como um acorde de V7 em terceira inversão da tonalidade de Réb - solb, láb, dó, mib. Para Schoenberg: "O fato de que o som do acorde de 6/5 (4/3, 2 ou 6) aumentada ser idêntico ao som de um acorde de sétima de dominante pode, agora, ser facilmente explorado por tratar (introduzindo e continuando) este como se fosse o outro [V7]"
(47). Tal reinterpretação enarmônica implica em uma mudança da fundamental do acorde a uma distância de trítono, partindo-se de dó maior, de ré para láb, e uma conseqüente mudança de região a distância de meio tom, de ré natural para réb (48).
Estes acordes vagantes, sem função harmônica definida, flutuam facilmente entre duas ou mais tonalidades e podem ter várias interpretações
(49). Acordes deste tipo desafiam o estabelecimento e o próprio conceito de tonalidade, que se baseia em um centro tonal único. Eles também caracterizam o que Schoenberg chama de "tonalidade flutuante", definida por Carl Dahlhaus no New Grove como uma "flutuação entre duas ou mais tonalidades, no sentido de ambigüidade e não no de modulação: a capacidade de ser simultaneamente relacionado a diferentes centros tonais" (50).

CONCLUSÃO
Função tonal para Schoenberg envolve mais do que simples relações entre acordes. Envolve sim uma rede de relacionamento bastante complexo entre notas, acordes e regiões. Notas individuais atuam como elemento melódico capaz de expressar uma tonalidade, adquirindo deste modo sua função tonal. Os acordes por sua vez, expressam sua função através da sua fundamental. Ambos elementos, notas individuais e acordes, são incluídos na noção de região tonal que considera segmentos escalares para estabelecer a relação entre duas ou mais tonalidades.
Introduzindo o conceito de transferência de função, Schoenberg considera a função harmônica de um acorde como estando presente. Ele entende que um acorde apresenta características específicas que são transferidas a outros acordes. Este procedimento é baseado na imitação do modelo tonal da cadência IV(II)-V-I. Assim, a noção da função de um acorde é expressa não somente pela sua fundamental mas também pelo seu som característico, isto é, a sonoridade do acorde em si.
A categoria dos acordes vagantes é definida como não tendo uma função específica, pelo contrário, eles apresentam função múltipla. Eles atuam como acordes que podem ser introduzidos depois de qualquer acorde. Novamente Schoenberg direciona a definição de uma função específica de um acorde para a relação deste para com um modelo de expressão tonal: a cadência. As fundamentais destes acordes são definidas somente pelo contexto em que eles estão presentes.
Norton Dudeque é professor da Universidade Federal do Paraná e tem desenvolvido pesquisa sobre a teoria schoenberguiana.

NOTAS

(1) Cf. KOPP, David. "On the Function of Function". Music Theory Online. Volume 1, nº 3. Maio, 1995. Sem nº de página.
(2) "Cada grau da escala tem sua parte no esquema da tonalidade, sua função tonal". PISTON, Walter e DeVOTO, Mark. Harmony. 5ª edição. p. 53.
(3) "O IV tem três funções. Em alguns casos, o IV vai em direção ao IŠmais freqüentemente, o IV é relacionado ao II...(ou ele pode ir diretamente) ao V...". Stefan Kostka e Dorothy Payne, Tonal Harmony. 2ª edição. p. 103. Citado em KOPP, David. Op. Cit. Nota de rodapé nº 2.
(4) Este conceito é utilizado por Daniel Harrison em Harmonic Function in Chromatic Music: A Renewed Dualist Theory and Account of its Precedents. p. 43-72.
(5) Esta distinção é bem resumida por Robert Wason em Viennese Harmonic Theory from Albrechtsberger to Schenker and Schoenberg. p. 126 7.
(6) Carl Dahlhaus em Studies on the Origin of Harmonic Tonality discute longamente a teoria funcional de Riemann enfatizando os defeitos na sua concepção ligados diretamente ao conceito de "lógica musical" formulado por Riemann. Segundo Dahlhaus, a idéia fundamental da teoria funcional de Riemann é que o ato de ouvir música não é passivo mas sim implica de forma altamente desenvolvida as funções lógicas do intelecto humano. A lógica para Riemann é exemplificada na interpretação da cadência I - IV - V - I, onde a tônica é tese, a subdominante é antítese e a dominante com a tônica final é síntese. Está implícita na interpretação desta seqüência que a sua forma retrógrada (I - V - IV - I) não é possível, pois suporia síntese precedendo antítese. Assim a lógica harmônica de Riemann é conectada a uma regra de uma seqüência específica de graus escalares. Para o modo menor a cadência é derivada de forma dualística, isto é, baseada nos sub harmônicos, apresentando o IV derivado desta série harmônica ao contrário do modo maior que tem o V derivado da série harmônica (harmônicos superiores). Assim o que é síntese no modo maior (V) e antítese (IV) torna-se antítese (V) e síntese (IV) no modo menor. Portanto a cadência natural no modo maior é I - IV - V - I e no modo menor é I - V - IV - I, tendo certos graus uma atribuição de sentidos opostos: o IV, em relação ao I, no modo maior é antítese e síntese no menor, e o V é síntese em maior e antítese em menor. Neste ponto de vista até a simbologia de Riemann é contraditória. Por exemplo, a função designada por S (subdominante) expressa um sentido funcional de antítese e síntese ao mesmo tempo, conceitos radicalmente opostos. Cf. DAHLHAUS, Carl. Studies on the Origin of Harmonic Tonality. p. 51-53.
(7) Structural Functions of Harmony, p. 1.
(8) Theory of Harmony, p. 191-2.
(9) Structural Functions of Harmony, p. 2.
(10) Ibid. p. 19.
(11) CARPENTER, Patricia e NEFF, Severine. No comentário ao The Musical Idea. p. 61.
(12) CARPENTER, Patricia. "Grundgestalt as tonal function". p. 16-7.
(13) Dunsby and Whittall explicam que "Schoenberg preocupa-se com regiões tonais no lugar de preocupar-se com a relação de notas comuns entre tríades, que selecionam somente três notas da escala de uma região." Cf. em DUNSBY, Jonathan e WHITTALL, Arnold. Music Analysis in Theory and Practice. p. 78. O conceito de Schoenberg neste sentido é único. Mesmo quando comparado à teoria funcional de Riemann, seu conceito apresenta-se mais completo no sentido de que ele pode relacionar todas as digressões cromáticas e diatônicas da tônica. No entanto, Schoenberg reconhece que à primeira vista pode parecer que tenha "uma certa semelhança à notação funcional de Riemann, mas evita-se seu erro, revelado principalmente na redução drástica a três funções. Esta redução não esclarece nada e não ensina nada...mas ao contrário, ela se confina em provar a exeqüibilidade do sistema. Talvez Riemann tenha percebido isto, porque no seu Lexicon ele afirma que todas as modulações em um movimento permanecem sob a influência da tonalidade principal. Provavelmente ele pudesse ter aperfeiçoado seu sistema, tivesse ele se baseado no meu princípio da monotonalidade". Cf. SCHOENBERG, Arnold. The Musical Idea. p. 331.
(14) Cf. Preliminary Exercises in Counterpoint, p. 73. Schoenberg considera a cadência I - IV (II) - V - I, como um modelo de exprassão tonal. As notas características atuam na cadência como segue: o IV após o I age como um elemento desestabilizador da tônica e que pode se tornar uma nova tônica de outra tonalidade. Com a introdução do V, com a sensível natural da tonalidade, que contradiz o IV e sua possível tonalidade, reafirma-se a tônica, o I. Schoenberg em The Musical Idea ilustra a cadência como: I = afirmação (de uma tonalidade), IV (II) = desafio, V = refutação do IV (auto-afirmação de V), I = confirmação (da tonalidade). Cf. The Musical Idea, p. 311.
(15) As regras das notas pivô são apresentadas em lá menor:
Primeira nota pivô, sol#: sol # deve ir para lá; para que sol # seja usado somente com o propósito da progressão de sensível. Sob nenhuma circunstância pode fá ou sol seguir sol #, nem pode sol # ir para fá# (pelo menos por agora).
Segunda nota pivô, fá#: fá# deve ir para sol #; para que ela apareça somente com o propósito de sol #. Sob nenhuma circunstância pode seguir sol, nem, é claro, fá. Nem, ré, mi, lá etc. (Pelo menos por agora).
Terceira nota pivô, sol: sol deve ir para fá, porque ele pertence a forma descendente da escala. Nem fá# nem sol # podem segui-lo.
Quarta nota pivô, fá: fá deve ir para mi, porque ela pertence a forma descendente da escala. Fá# não pode segui-la.
Cf. Theory of Harmony, p. 98.
(16) Cf. Theory of Harmony, p. 178.
(17) A distinção entre a introdução de notas substitutas depende da aplicação ou não das leis das notas pivô. A introdução "quase-diatônica" é caracterizada pela aplicação destas regras e promove a "modulação" entre regiões; a introdução "cromática" atua principalmente como um enriquecimento da harmonia e é incapaz de produzir uma mudança de região, tonalidade.
(18) Cf. Structural Functions of Harmony, p. 46. Este conceito é derivado das teorias de Simon Sechter sobre as progressões das fundamentais. Para Sechter a fundamental de um acorde é que define a progressão. Segundo Phipps: "Ele aplica a teoria de Rameau das progressões triplas (movimento por terças) e quíntuplas (movimento por quintas) como o movimento básico de toda progressão harmônica, onde considera-se a mais básica e importante a progressão por quintas descendentes (I - IV - VII - III - VI - II - V - I). Sechter reconhece o surgimento de uma quinta diminuta entre os VII e IV e considera que este movimento de fundamentais não resolve e o acorde de VII deve ter sua quinta mantida para tornar-se a oitava do IV: "...se [a quinta do acorde de VII] tornar-se a oitava [do IV], então a resolução da falsa quinta [quinta diminuta] poderá ser esquecida..." As progressões por terça são exemplificadas por Sechter na progressão I - VI - IV - II - VII - V - III - I. Todas as progressões descritas por Sechter são tomadas destas e apresentadas, isoladas ou não, nesta ordem ou na sua forma retrógrada. A progressão por segundas - grau conjunto - apresenta uma fundamental omitida (Zwischenfundament) que a torna uma progressão por terça descendente e por quinta ascendente. Cf. PHIPPS, Graham. "A Response to Schencker's Analysis of Chopin's Etude, opus 10, nº 12, Using Schoenberg's Grundgestalt Concept". Musical Quarterly 69, nº 4, 1983. p. 548; e CHENEVERT, James. "Simon Sechter's 'The Principles of Musical Composition': A Translation of and Commentary on Selected Chapters". Tese de doutorado, Universidade de Wisconsin - Madison, 1989. Ann Arbor: UMI Dissertation Services, 1989. p. 34-5.
As progressões das fundamentais de Schoenberg são definidas como: 1) Fortes ou ascendentes (uma 4ª ascendente, uma 3ª descendente); 2) Descendentes (4ª descendente, 3ª ascendente); 3) Superfortes (2ª ascendente ou descendente). Cf. Structural Funsctions of Harmony, p. 6-8.
(19) Segundo Robert Wason, Georg Joseph Vogler foi o primeiro a cunhar o sistema de notação com algarismos romanos dos acordes: "o maior feito de Vogler - sua invenção da notação de acordes com algarismos romanos - foi obviamente uma contribuição importante para a teoria de identidade dos acordes". Cf. WASON, Robert. Viennese Harmonic Theory from Albrechtsberger to Schenker and Schoenberg. p. 13.
(20) SCHOENBERG, Arnold. Modelos para Estudiantes de Composición. p. 13.
(21) Cf. Structural Functions of Harmony, p. 1.
(22) Cf. Theory of Harmony, p. 176.
(23) Dr. Robert Neumann é identificado somente como um jovem filósofo no Theory of Harmony. Não há referências a sua pessoa na correspondência de Schoenberg. Cf. Theory of Harmony, p. 25, nota de rodapé 2, e p. 423-25.
(24) Transferência de função é ainda derivada do princípio que "afirma que a nota mais grave tenta impor seus harmônicos, assim ele tem a tendência de tornar-se a fundamental de uma tríade maior..." Cf. Theory of Harmony, p. 385.
(25) Ibid. p. 385.
(26) Ibid. p. 192.
(27) Cf. Structural Functions of Harmony, p. 35.
(28) Schoenberg considera as fundamentais como pontos fixos e imutáveis. As transformações ocorrem somente em outras notas do acorde que não sejam sua fundamental. Assim, somente a 3ª, a 5ª,a 7ª, etc. de um acorde podem ser alteradas.
(29) Schoenberg esclarece que os acordes de sétima diminuta "eram considerados anteriormente como acordes de 7ª sobre sensíveis naturais ou artificiais. Desta maneira um acorde de 7ª diminuta em dó menor (si - ré - fá - láb) seria considerado como um VII e, pior, o exemplo 50b [a seção d do presente exemplo] seria considerado como baseado em uma fundamental substituta (fá# ), uma suposição que deve ser rejeitada como sem sentido". (SFH, 35) É importante lembrarmos que Schoenberg segue a tradição da escola vienense de harmonia neste caso. São notáveis seus antecessores que consideravam o acorde de 7ª diminuta da mesma maneira. Entre outros estão: Anton Bruckner, Simon Sechter e Gottfried Weber. Cf. DINEEN, Phillip Murray. "Problems of Tonality". p. 164, n. 5.
(30) Recordamos que Schoenberg parte do princípio de que as progressões superfortes são concebidas como tendo uma fundamental ou acorde omitido, tornando-se uma progressão ascendente.
(31) Cf. Theory of Harmony, p. 234.
(32) A concepção de Schoenberg em relação ao acorde de sexta napolitana é radicalmente distinta da de outros autores. Por exemplo, Riemann considera este acorde originado da substituição da 5ª de um acorde pela 6ª menor e da sua 3ª maior pela menor, em dó maior - fá - lá - dó para fá - láb - réb. Cf. RIEMANN, Hugo. Armonia y Modulación. p. 122, 182 e 194; e DAHLHAUS, Carl. Studies on the Origin of Harmonic Tonality. p. 50. Já para Schenker este acorde resulta do II frígio em que o II é alterado descendentemente e é explicado em termos de condução de vozes, isto é, para uma melhor condução de voz no baixo é utilizado na sua 1ª inversão. Cf. SCHENKER, Heinrich. Harmony. p. 109-10. Mais recentemente outros autores consideram este acorde de maneira distinta. Para Piston "a tríade maior que tem sua fundamental abaixada cromaticamente sobre o II da escala é conhecida como a sexta napolitana". Cf. PISTON, Walter. Harmony. 5ª edição. p. 407. E para Aldwell e Schachter "é uma variante cromática do II6 com o 2 [segundo grau da escala] abaixado para 2b; a alteração produz uma tríade maior que substitui a tríade diminuta normal onde esta última pode produzir um efeito insatisfatório". Cf. ALDWELL, Edward e SCHACHTER, Carl. Harmony and Voice Leading. 2ª edição. p. 457.
(33) Cf. Structural Functions of Harmony, p. 35.
(34) Cf. a este respeito a posição da região da Np na Tabela das Regiões. Ali esta região é posta à parte entre as regiões da sd e da SMb .
(35) Cf. Structural Functions of Harmony, p. 35.
(36) Exemplos desta utilização podem ser encontrados na Terceira Sinfonia de Beethoven, primeiro movimento, c. 284, onde a mudança para a região de mi menor, isto é, fáb menor, representa a região da Np menor. Também observe-se no 2º movimento do Quinteto em dó maior de Schubert a relação tonal entre as seções A B A. A seção A está em Mi maior (T) e a seção B em fá menor (Np menor), a terceira seção apresenta um retorno a T. A relação estrutural aqui permanece sendo de T Np T, apesar da seção B apresentar-se em fá menor. Certamente, estes dois exemplos não correspondem ao uso comum da função de subdominante. Graham Phipps discute este mesma concepção sobre a região da Np em "Comprehending Twelve-Tone Music". p. 39-42.
(37) Como já mencionado anteriormente observe-se no Adagio, 2º movimento da mesma obra, a relação estrutural de T (mi maior), np (fá menor), T (mi maior), entre as distintas seções do movimento.
(38) Traduzimos o termo original de Schoenberg multiple meaning para "função múltipla" uma vez que toda a argumentação de Schoenberg se baseia em transferência de função.
(39) Também no caso das progressões das fundamentais é aplicada a transferência de função às notas específicas. Entende-se que estas notas tenham uma função múltipla por terem maior ou menor importância dentro de determinada tríade. Por exemplo, nas progressões ascendentes de quarta ascendente, temos uma fundamental de um acorde que se torna uma quinta do segundo acorde, portanto ocorre uma transferência de função específica em uma nota.
(40) Cf. Theory of Harmony, p. 195.
(41) Cf. DINEEN, Phillip Murray. "Problems of Tonality." p. 182-3.
(42) Cf. Theory of Harmony, p. 194.
(43) Ibid. p. 243.
(44) Ibid. p. 242.
(45) Segundo Graham Phipps, Sechter deriva de Rameau "o fato de que o acorde de sétima diminuta é uma substituição de um acorde de nona de dominante que tem sua fundamental uma 3ª maior abaixo da fundamental do acorde de sétima diminuta. Ele amplia este princípio para os acordes de sexta aumentada. Sechter descreve este acorde como um acorde ambíguo (Zwitterakkord) que é formado sobre o segundo grau da escala com uma 3ª maior e uma 5ª diminuta". Cf. PHIPPS, Graham. "The Tritone as an Equivalency: A Contextual Perspective for Approaching Schoenberg's Music". Journal of Musicology 4, 1985. p. 55. Já segundo Allen Forte o acorde do II7 com 3ª maior e 5ª diminuta é derivado "de um tetracorde de tons inteiros e, claro, não é uma formação característica da tonalidade triádica". E o acorde formado por ré, fá#, láb, dó "ilustra um processo que de fato se dirige a harmonias atonais". Cf. FORTE, Allen. "Schoenberg's Creative Evolution: The Path to Atonality". The Musical Quarterly, abril de 1978, vol. 64, nº 2. p. 148. Forte de fato se equivoca ao afirmar que tal formação cordal não aparece na tonalidade triádica. Na literatura musical encontra-se um exemplo do Quarteto para cordas, Op. 59, nº 3, de Beethoven, onde no primeiro movimento, compasso 18, encontra-se a progressão mib, sol, dó, dó/ré, láb, fá#, dó. Além disso, Forte ignora por completo a discussão de Schoenberg sobre a progressão das fundamentais.
(46) De fato, esta é a concepção de Aldwell a Schachter que explicam que "se a sexta aumentada seguir um IV, então o 4 (4º grau da escala) será a fundamental (alterada, é claro, para 4#)". Cf. ALDWELL, Edward e SCHACHTER, Carl. Harmony and Voice Leading. p. 484. Já Piston compartilha da opinião de Schoenberg de que o intervalo de 6ª aumentada não é originado da subdominante com a fundamental alterada ascendentemente, mas sim do V do V [dominante da dominante] com a 5ª abaixada de um semitom". PISTON, Walter. Harmony. 5ª edição. p. 419.
(47) Cf. Theory of Harmony, p. 254.
(48) Graham Phipps discute largamente as relações a distância de trítono na música de Schoenberg. Cf. PHIPPS, Graham. "The Tritone as an Equivalency: A Contextual Perspective for Approaching Schoenberg's Music". p. 51-69.
(49) Um dos melhores exemplos certamente é o "Acorde Tristão", que foi objeto de várias análises sobre sua função. Estas interpretações variam desde um acorde de sétima diminuta sobre o VII de Kistler (1879); um VII°7 em fá# menor de Jadassohn (1899); a Svii de Riemann (1909). Schoenberg considera o "Acorde Tristão" como um II no Structural Functions (ver exemplo 85). Por outro lado, a discussão do "acorde Tristão" como um acorde vagante é definida por Schoenberg quando este propõe várias interpretações para o mesmo acorde. Na primeira o sol # é considerado como uma suspensão indo para lá natural, neste caso a forma do acorde seria si - ré - fá# - lá; ou ainda pode ter lá natural como uma nota de passagem (através de lá# ) em direção a si natural; ou até mesmo poderia ser derivado, numa interpretação esdrúxula, de mib menor. Todas estas interpretações levam a concluir que o "acorde Tristão" é um acorde vagante e apresenta função múltipla. Cf. Theory of Harmony, p. 257. Para mais interpretações deste acorde ver NATTIEZ, Jean Jacques. "Harmonia." Enciclopédia Einaudi. v. 3. p. 245-71.
(50) Cf. The New Grove Dictionary of Music and Musicians, v. "Tonality" de Carl Dahlhaus, vol. 19, p. 54.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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CARPENTER, Patricia. "Grundgestalt as Tonal Function." Music Theory Spectrum 5, p. 15 - 38. 1983.
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DAHLHAUS, Carl. Studies on the Origin of Harmonic Tonality. Tradução para o inglês de Robert O. Gjerdingen. Princeton: Princenton University Press, 1990.
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NEFF, Severine. "Schoenberg and Goethe: Organicism and Analysis". In Music Theory and the Exploration of the Past. Editado por Christopher Hatch and David W. Bernstein. Chicago: University of Chicago Press, 1993.
PHIPPS, Graham. "Comprehending Twelve-tone Music as an Extension of the Primary Musical Language of Tonality". College Music Symposium 24, no 2, p. 35 - 54. Fall, 1984.
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Copyright©1997 Revista Eletrônica de Musicologia, vol. 2.1/Outubro de 1997





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NOITE TRASNFIGURADA
Arnold Schönberg nasceu em Viena a 13 de setembro de 1874. Desde 1892 dedicou-se exclusivamente ao estudo da música, compondo os primeiros lieder em 1897. Ganhou depois a vida, em Berlim, como orquestrador de operetas. Retornando a Viena, desenvolveu intensa atividade pedagógica. Suas composições, quando executadas, foram recebidas com escândalo.
Fundou uma associação de execuções musicais privadas, especializada em música moderna. Em 1925 foi nomeado sucessor de Busoni na Academia de Artes de Berlim, sendo demitido em 1933, com a ascensão do nazismo. Partindo para Paris, reconverteu-se ao judaísmo, por solidariedade aos judeus perseguidos.
Seguiu depois para os Estados Unidos, onde foi nomeado, em 1936, professor da Universidade da Califórnia, em Los Angeles, cidade onde morreu, a 13 de julho de 1951.
O nome de Schönberg evoca ao mesmo tempo a continuidade e a ruptura com a tradição musical. Inventor de um novo sistema musical, o dodecafonismo ou música serial, rompeu com o sistema tonal tradicional, herdado de J. Sebastian Bach
e Rameau. Suspendendo as funções tonais, tinha chegado ao atonalismo, que é o termo de sua primeira etapa.
A etapa final, construtiva, é a música serial, em que a obra se elabora segundo uma série em que estão representados, sem nenhuma hierarquia, os 12 sons da escala cromática. Foi uma evolução sistemática, que partiu do hipercromatismo de Wagner
de Tristão e Isolda para chegar à dissolução tonal (atonalismo) e, depois dessa, à construção do seu próprio sistema. Por isso, por ter desenvolvido até o último limite as conquistas pós-românticas, Schönberg merece ser considerado também como continuador de uma tradição.
Schönberg teve que defender-se contra permanente objeção ao sistema serial: esse seria um entrave à liberdade criadora. Mas durante toda a sua carreira nunca transigiu. Em suas obras finais alguns viram a tentativa de conciliação entre o seu método e o sistema tonal clássico. Mas seu retorno, passível de discussão no plano estético, seria compreensível noutro plano, o da expressão pessoal.
A obra de Schönberg pode ser divididas em etapas que se desenvolvem coerentemente. A primeira é a fase de formação, pós-romântica, que se inicia com os Lieder Op. 1, Op. 2 e Op. 3 (1897), onde se notam as influências contraditórias de Brahms e Wagner
. A seguir, o Sexteto para cordas - Noite transfigurada (1899) continua a tradição pós-romântica wagneriana, apresentando uma novidade: a introdução do programa poético na música de câmara.
Depois, a obra Cantos de Gurre (1900), oratório profano sobre texto do poeta dinamarquês Jens Peter Jacobsen, para seis solistas, quatro grande coros e uma grande orquestra de 180 figurantes. Iniciada em 1900, só será concluída em versão definitiva em 1911. É obra tipicamente pós-wagneriana, desenvolvendo o hipercromatismo e ampliando ao máximo os recursos da orquestra. À mesma fase pós-romântica pertence o poema sinfônico Pelleas e Melisande (1902), sobre texto do poeta belga Maeterlinck.
O Quarteto para cordas n.º 1 Op. 7 (1906), desenvolvendo as complexas harmonias de Brahms,
inicia a nova fase. Mas é sobretudo na Sinfonia de câmara (1906) que se esboça uma nova estética musical, apesar dos traços pós-românticos. Enfim, o Quarteto para cordas n.º 2 Op. 10 (1907), avança um passo decisivo: embora harmonicamente tradicional, anuncia, em seu movimento final, a libertação da tonalidade. A introdução da voz de soprano nos dois últimos movimentos é algo de insólito.
Nas obras postriores, sobretudo nas Peças para piano Op. 11 (3) (1908) e nas Peças para orquestra (15) (1909), dois pontos altos dessa fase, Schönberg já desenvolve francamente o atonalismo e o atematismo melódico. Nelas se aplica o princípio de economia unido ao princípio de variação, na busca de uma extrema concisão estrutural. Essas tendências atingem o auge nas Peças para piano Op. 19 (6) (1911), abandonando toda a prolixidade em favor de novos meios de articulação sonora.
Obra-chave de Schönberg é Pierrot lunaire Op. 20 (1912). Seu clima expressionista, foi precedido pela ópera monodramática Espera (1909), obra em que se precisa com mais nitidez o atematismo melódico, e continuado em A mão feliz (1913). São obras que se equivalem, quanto ao clima expressionista, a certos aspectos do teatro de Strindberg.
Em Pierrot lunaire o expressionismo é só musical, pois os textos são do simbolista belga Albert Giraud. Apesar do contexto tradicionalista, a obra, ciclo melodramático para voz e sete instrumentos, dá a sensação de ruptura total. O emprego do canto falado é sistemático. A técnica contrapontística, já presente em obras anteriores, se liga de maneira insólita ao atonalismo, e o princípio de variação é sistematizado no acompanhamento instrumental. Superando os textos simbolistas de Giraud, Schönberg produziu obra originalíssima. O aspecto de delírio não é decadentista, mas de teor quase apocalíptco.
Durante dez anos Schönberg silenciou quase completamente. Exceções foram a versão definitiva de Cantos de Gurre, só produzida em 1913, e a composição de um oratório, deixado incompleto, A escada de Jacó (1915-1922), a última de suas obras expressionistas. Nesse período dedicou-se sobretudo à reflexão teórica. Quando reapareceu, em 1923, foi para dar os primeiros passos na edificação do seu novo sistema tonal: as Peças para piano Op. 23 (5) e a Serenata Op. 24 são as primeiras obras em que utiliza o método serial, embora já estivesse previsto na parte final de A escada de Jacó, segundo o próprio compositor.
O que se esboça na Serenata Op. 24, peça de grande encanto em seu ludismo sonoro, divertimento na obra de um compositor tão austero, se torna mais evidente na Suíte Op. 25 e no Quinteto para sopros, ambos de 1924, peças em que o novo método é definitivamente integrado. A alguns pareceu estranho que Schönberg incorporasse às formas clássicas um método revolucionário de composição, mas toda a sua obra foi produto de tendências contrárias.
O Quarteto para cordas n.º 3 Op. 30 (1926), resultaria de uma extrema tensão entre o lirismo e o rigor formal. Finalmente, as Variações para orquestra Op. 31 (1927-1928) seriam o cume de um novo método, numa forma de grande amplitude; de certa forma seriam para a música serial o que A arte da fuga de J. Sebastian Bach
foi para a música barroca.
Na fase final, nos Estados Unidos, Schönberg tentou o que muitos julgavam inviável, a síntese entre a música serial e a tonalidade clássica. Desconcertou aos que o julgavam intransigente, reconhecendo que a necessidade de expressão, e não a pesquisa metódica, determinava o ato criador.
São dessa fase os famosos Concerto para violino Op. 36 (1936) e Concerto para piano Op. 42 (1942), e também o Quarteto para cordas n.º 4 Op. 37 (1936). De um neo-expressionismo musical são representativos, enfim, o Hino à Napoleão Op. 41 (1942) e O sobrevivente de Varsóvia (1947), e enfim, o seu testamento criador, a ópera Moisés e Aarão (1951), que ficou incompleta, mas impressionou profundamente nas representações.
Como teórico Schönberg deixou obras de grande valor, destacando-se Tratado de harmonia (1911), Funções estruturais de harmonia (1951) e Estilo e idéia (1951). Entre seus discípulos figuram os dois grandes músicos austríacos Webern e Berg. Schönberg também foi pintor em estilo expressionista. São notáveis seus auto-retratos.

SAINT-SAËNS, Camile - Concerto No. 1 em la menor para violoncello e orquestra, Op. 33

SAINT-SAËNS, Camile - Carnaval dos animais

É a obra mais célebre de Saint-Saëns. Apesar da aparente inocência e infantilidade, o Carnaval representa uma mordaz crítica ao cenário musical de Paris do final do século XIX. Cheia de referências a outros compositores, Saint-Saëns proibiu a sua execução; sua estréia em concerto foi póstuma a 9 de março de 1886.
Essa fantasia, foi escrita na Áustria no início de 1886, por ocasião da terça feira gorda em Paris. Depois veio a se repetir a 2 de abril na casa da cantora Pauline Viardot, em benefício de Franz Liszt. Eram reuniões privadas, pois o autor não desejava que a obra fosse levada ao conhecimento do público. Muitas de suas páginas, com efeito, são paródias musicais nas quais Saint-Saëns debicava de compositores célebres, e até mesmo de seus intérpretes; ele expressa na obra um humor por vezes ácido, e que não é forçosamente injustificado. Uma peça, no entanto, foi publicada em vida do autor, e tornada famosa pela bailarina Anna Pavlola.
As 14 peças são assim desenvolvidas:
1. Introdução e marcha real do leão. Os dois pianos trinam e arpejam; as cordas abrem a marcha do soberbo animal, imitando seus rugidos.
2. Galinhas e galos. Clarinetes, pianos, violinos e viola em um breve trecho à moda de Rameau.
3. Hémiones (asnos selvagens do Tibet. Animais muito velozes). Em um Presto furioso, os dois pianos lançam-se em escalas de clima de loucura, que jamais se alcançam.
4. Tartaruga. Offenbach está presente aqui com sua obra Orfeu no Inferno. Tocada em andamento extremamente lento perlas cordas, sobre um acompanhamento do piano.
5. O Elefante. O contrabaixo com ornamentos do piano tocam o tema da Dança das sílfides da Danação de Fausto de Berlioz, com uma alusão ao Scherzo do Sonho de uma noite de verão de Mendelsshon.
6. Cangurus. Os dois pianos saltitam. Eles hesitam, eles param...
7. Aquarium. Flauta, celesta, os dois pianos e as cordas. As flautas dão um sentido de ondas, os pianos um sentido de nadar, a celesta faz parecer gotas de água.
8. Personagens de orelhas longas. Por poucos compassos dois violinos alternam seus diálogos.
9. O Cuco no fundo do bosque. Com o acompanhamento do piano, a terça do cuco é dita e redita pelo clarinete.
10. Viveiro. Uma flauta chilreia com acompanhamento dos pianos e das cordas.
11. Pianistas. São segundo Saint-Saëns verdadeiros animais, e não dos menos barulhentos. Devem imitar o toque de um aluno de piano iniciante, alternado em escalas e terças duplas, com notas desafinadas. As cordas rangem, irritam-se e interrompem o insuportável duo.
12. Fósseis. As antigüidades – uma série de citações que se encadeiam vivamente. A Dança macabra surge como um leitmotiv do movimento. Outras obras são citadas: Aria da Rosina do barbeiro de Sevilha,Ah! Vous dirai-je maman, Partan pour la Syrie e J’ai du bom tabac.
13. O Cisne. Uma nobre bobagem, segundo o próprio Saint Saëns. O violoncelo toca sobre as harmonia dos pianos. No final ele adormece.
14. Final. Um desfile de toda a bicharada, onde desfilam os principais temas ouvidos durante a obra, inclusive a dos pianistas.
NARRAÇÃO
LEÃO
Agora nós vamos visitar um jardim zoológico, e conhecer os animais de uma forma diferente. O primeiro que aparece é justamente o rei dos animais: o Leão. Orgulhoso e imponente, ele marcha pela floresta, desprezando a todos. “Eu sou o rei” – ruge com ferocidade, “eu sou o senhor dos animais”. (Introdução e marcha real do leão)
GALINHAS E GALOS
Este zoológico tem até um galinheiro - representado pelas cordas unidas ao clarinete solista - onde o galo namorador, corteja as galinhas, que, entretanto, estão muito preocupadas em botar ovos.
ANTÍLOPES
Como correm esses antílopes pelos campos!
Eles são conhecidos por serem muito velozes e aqui aparecem estar voando, quando os dedos ágeis dos pianistas deslizam pelo teclado numa velocidade incrível, então prestem atenção nestes dois antílopes que vão passar aí. Não vai dar tempo para vê-los direito.
TARTARUGAS
Aparecem agora as tartarugas que queriam ser bailarinas. Fazem o que podem para dançar o can-can de Offenbach. Uma melodia bastante importante conhecida. E para descrever realmente o movimento das tartarugas, o autor utiliza a melodia num andante em que elas possam acompanhar. E depois de tanto esforço, como elas acabam cansadas.
ELEFANTE
E as tartarugas encontram um rival: o elefante também quer dançar. “Se elas podem – diz ele – eu também posso”. As melodias escolhidas agora são a dança das Sílfides de Berlioz e o Scherzo de Sonhos de um Verão de Mendelsshonn. Mas para acompanhar sua dança, o elefante quer um instrumento que seja do seu tamanho, que combine com sua delicadeza de movimentos – o Contrabaixo.
CANGURUS
Atrás do elefante vem dois cangurus. Cautelosamente e muito curioso observam os animais que dançam na frente, e quando menos se espera, eles começam a pular.
AQUÁRIO
Vocês observaram alguma vez como é bonito um aquário de águas azuis, cheio de peixinhos vermelhos, que nadam abanando as suas barbatanas? Esses sim, são bons bailarinos. Vejam por exemplo, esse peixinho que de vez em quando dá rápido e harmonioso mergulho para o fundo do aquário.
PERSONAGEM DE ORELHAS LONGAS
Assim como os bailarinos, temos também cantores. Observem esses dois burros e ouçam como eles tentam zurrar bem dentro da música. São tão afinados! Também pudera, com as longas orelhas que tem, devem escutar muito bem todas as coisas.
O CUCO NO FUNDO DO BOSQUE
Fechem os olhos e imaginem um bosque cheio de árvores muito verdes e muito altas. O sol se filtra tranqüilo por entre as folhas num fim de tarde de verão. Escondido no alto de um pinheiro, vocês poderão ouvir um cuco, aquele passarinho que lembra o relógio da vovó. Meio triste, entediado, ele canta no fim do dia. O cuco toca a clarinete.
VIVEIRO
Vocês ouviram antes só um passarinho cantando. Agora estamos num viveiro, onde muitos pássaros felizes formaram um coral. Voando pelo ar, eles entoam canções alegres. E naturalmente, quem dirige o coral é aquele passarinho chamado flauta, que vocês já conhecem.
PIANISTAS
De repente aparecem dois pianistas que também querem participar da festa do zoológico. Eles vão tocar para vocês, mas não reparem: são principiantes e a única coisa que sabem tocar, mais ou menos, é um certo exercício de piano. Por favor, perdoem os erros...
FÓSSEIS
Todos sabem o que é um fóssil de um animal antigo, muito velho mesmo, mas que apesar de tão antigo, ainda assim, se conserva com o tempo. Na música, também temos fósseis, isto é, velhos motivos musicais que todo mundo recorda e que ainda assim, estão vivos e interessantes. Aqui, o autor amontoou muitos desses temas: a sua própria dança macabra, três canções populares francesas, e até um pedacinho da ária de Rossini, da ópera do Barbeiro de Sevilha.
E tudo isto, com sabor ligeiramente cômico, dado pelo xilofone.
CISNE
Chegamos ao lago de nosso zoológico. Bem no meio, nobre e tranqüilo, um belo cisne branco desliza sobre as águas. Ninguém melhor que o naipe das cordas para representar a calma, a solitária elegância do cisne, que lentamente desaparece ao nosso olhar.
FINAL
Chegamos ao final de nossa visita do zoológico. Todos os animais grandes e pequenos, aves, peixes, cantam, dançam a sua alegria! Até nossos pianistas participaram dessa festa. Ah, mas não se assustem: a esta altura, eles até já aprenderam a tocar. Música maestro!

ROSSINI, Gioacchino - Semiramide

Semiramide é, sem dúvida, uma das mais belas aberturas escritas por Rossini. Ópera em dois atos, estreada, em 3 de fevereiro de 1823, no Fenice de Veneza, conquistou o público por ser uma obra ambiciosa na qual a invenção melódica alia-se a uma expressão dramática de grande força. Semiramide prefigura a "grand-opéra" à francesa, tal como a conceberão, pouco depois, Halévy e Mayerbeer.A saga de Semíramis é bem conhecida nas artes, na literatura e na história, como a guerreira que estendeu o império assírio e construiu Babilônia. Rossini recriou a saga compondo um épico cheio de poder, traição e luxuria e que contém belas passagens do mais puro bel canto.

ROSSINI, Gioacchino - Guillerme Tell

Foi um heroi lendário do início do século XIV, de disputada autenticidade histórica, que se pensa ter vivido no cantão de Uri, na Suiça.
O nome Guilherme Tell surge tipicamente associado à guerra de libertação nacional da Suiça
face aoimpério Hadsburgo da Áustria.
A lenda
Guilherme de Bürglen
era conhecido como um especialista no manejo da besta. Na altura, os imperadores Habsburgos lutavam pelos domínios de Uri e, para testar a lealdade do povo aos imperadores, Albrecht Gessler, um governador austríaco tirano, pendurou num poste um chapéu com as cores da Áustria, numa praça de Altdorf. Todos que por lá passassem teriam de fazer uma vénia como prova do seu respeito. O chapéu estava guardado por soldados que se certificariam que as ordens do governador eram cumpridas.
Um dia, Guilherme e seu filho passaram pela praça e não salutaram o chapéu. Prenderam-no imeditamente e levaram-no à presença do governador que, reconhecendo-o, o fez, como castigo, disparar a besta a uma maçã
na cabeça do filho. Tell tentou demover Gessler, sem sucesso; o governador ameaçaria ainda matar ambos, caso não o fizesse.
Tell foi assim trazido para a praça de Altdorf, escoltado por Gessler e os seus soldados. Era o dia 18 de novembro de 1307
e a população amontoava-se na expectativa de assistir ao castigo (e, sobretudo, ao seu culminar). O filho de Guilherme foi atado a uma árvore, e a maçã foi colocada na sua cabeça. Contaram-se 50 passos. Tell carregou a besta, fez pontaria calmamente e disparou. A seta atravessou a maçã sem tocar no rapaz, o que levaria a população a aplaudir os dotes do corajoso arqueiro.
Não obstante, Guilherme trazia uma segunda seta. Gessler, ao vê-la, perguntou porque ele a trazia. Tell hesitou. Gessler, apressando a resposta, assegurou-lhe que se dissesse a vedade, a sua vida seria poupada. Guilherme responder: "Seria para atravessar o seu coração, caso a primeira seta matasse o meu filho".
Indignado, Gessler mandou o rebelde para a prisão
alegando que dignaria a sua promessa deixando-o viver — mas preso, no castelo de Küsnacht. Guilherme foi levado acorrentado de imediato para um barco em Flüelen, onde esperou que Gessler e seus soldados embarcassem. Não muito distante do porto, deu-se uma tempestade. O Föhn, um vento do Sul, causava ondas tão altas que dificultou a viagem, praticamente arremessando o barco contra as rochas. Os que lá viajavam, assustados, gritaram: "Só Guilherme Tell nos pode salvar!". Gessler libertou Tell, que conduziu barco em segurança ao sopé da montanha Axenberg, perto de uma rocha chamada Tellsplatte.
Quando amarou, Tell tirou uma lança
a um soldado, saltou do barco e, empurrando-o com os pés, fugiu pelo condado de Scwyz. Gessler conseguiu sobreviver à tempestade e chegou ao castelo de Küsnacht nessa mesma noite. Tell ter-se-ia escondido nuns arbustos num beco que levaria à residência do governador. Assim que Gessler e os seus apareceram, Tell matou-o com uma seta da sua besta, libertando o país da tirania do governador. Segundo a lenda, este evento marcou o início a revolta que ocorreu a 1 de janeiro de 1308.
Historia sobre a lenda
A lenda de Guilherme Tell aparece inicialmente no século XV
, em duas versões diferenes. A primeira, encontrada, por exemplo, numa balada popular da década de 1470 e mais tarde nas crónicas de Melchior Russ de Lucerne (1482-1488) retrata Tell como o actor principal das lutas independentistas dos cantões da fundação da antiga Confederação Suiça; a segunda, encontrada em Weisse Buch von Sarnen de 1470, retrata Tell como uma personagem menor num complô contra a casa dos Habsburgos dirigido por outros. Aegidius Tschudi, um historiador católico conservador, fundiu estas duas perspectivas no mito sumarizado acima, em 1570.
A história de um heroi
bem sucedido no tiro contra um pequeno objecto na cabeça de uma criança e posterior assassinato do tirano que o obrigou a fazê-lo, contudo, é um arquétipo presente em vários mitos germânicos. O tema aparece também em outras histórias da mitologianórdica, em particular na história de Egil, na saga de Thidreks (de Dietrich von Bern, possivelmente com inspirações realistas em Teodorico o Grande), bem como na de Inglaterra e Holstein.
Na cultura popular
, Guilherme Tell subsiste como um verdadeiro herói. Permanece uma importante figura com quem os suíços se identificam e, de acordo com uma pesquisa recente, 60% da população acredita mesmo que ele existe.Um possível núcleo histórico da lenda foi sugerido em 1986 por Arnold Claudio Schärer, (Und es gab Tell doch, publicado em Lucerne): identificava-se um Guilherme Gorkeit de Tellikon (moderna Dällikon no cantão de Zurique). Gorkeit aparece explicado como uma versão do apelido Armbruster (fabricante de bestas). Apesar dos historiadores não ficarem convencidos, Schärer ainda é por vezes referido pelo direito nacionalístico como para denunciar a rejeição académica da hipótese de uma "conspiração intercionalista".

ROSSINI, Gioacchino - La Gazza Ladra

Estreou a 13 de maio de 1817, no Scala de Milão. O Libreto da ópera foi tirado de um melodrama de bulevar montado dois anos antes: "La Pie Voleuse" ou "La Servante de Palaiseau" de Daubigny e Caignes. Devido a seu libreto pouco plausível (uma empregada, acusada de roubo e condenada à morte, é salva no último instante, quando se descobre que a culpada fora apanhada, evocando para os jovens de 7 a 77 anos as célebres "Jóias de Castafiore!") e, ainda mais, ao próprio gênero "semi-sério" (que, por sua ambigüidade, apresenta numerosos problemas para os intérpretes e para os encenadores ), La Gazza Ladra estaria fadada ao esquecimento total, não fosse a popularidade que sua abertura atingiu.

ROSSINI, Gioacchino - La Cenerentola

Ópera em dois atos
Compositor: Gioacchino Rossini
Texto do libreto em italiano: Jacopo Ferretti, baseado em Cinderela.
Première Mundial: Roma, Teatro Valle, 25 de janeiro de 1817
ELENCO
Angelina, Cenerentola (Cinderela) do papel do título. (Meio-Soprano)
Clorinda, uma irmã adotiva. (Soprano)
Tisbe, a outra irmã adotiva. (Meio-Soprano)
Don Magnifico, o pai. (Baixo)
Don Ramiro, o Príncipe.
Dandini, o criado do príncipe.
Alidoro, o tutor do príncipe.
Criados, convidados do salão e cortesãos
Rossini e La Cenerentola
Quando a ópera La Cenerentola foi escrita, Rossini tinha somente 25 anos, mas suas outras óperas já lhe tinham garantido uma popularidade excepcional na Itália e em toda a Europa. La Cenerentola foi escrita para o empresário do Teatro Valle em Roma, o Signore Cartoni, e deveria ser apresentada durante a temporada do carnaval em Roma. Corria o ano de 1816 e o libretista escolhido foi Jacopo Ferretti, que sugeriu basear a nova ópera no conto de fadas francês Cendrillon (Cinderela) de Charles Perrault, porque o tema não era complicado e era bastante cômico.Ferretti escreveu o libreto em 22 dias e Rossini compôs a música em apenas 24 dias! O processo de composição foi mais rápido devido ao uso de músicas de óperas anteriores, como por exemplo, a utilização da abertura de La Gazzetta.Além do talento de Rossini para a comédia, a ópera é famosa pelo registro vocal acrobático do compositor, o que exige uma grande agilidade da linha vocal dos cantores. Essa era uma música mais difícil do que qualquer outra que Rossini havia composto anteriormente. Ele estava seguindo a tradição da escola de ópera de bel canto, com cenas e grupos vocais ornamentados, como vemos nos sextetos das finales do primeiro e do segundo ato. O mesmo efeito brilhante já havia sido usado nas finales de Il Barbieri di Siviglia.
La Cenerentola foi apresentada pela primeira vez no Teatro Valle em Roma, em 28 de janeiro de 1817, com vários cantores famosos no elenco. Geltrude Righetti Giorgi tinha o papel principal, e já era um nome famoso por sua atuação como a primeira Rosina na estréia de Il Barbieri di Siviglia em 1816. Devido ao fato que as vozes dos cantores estavam em declínio ou talvez pelo cansaço após os longos ensaios, a primeira apresentação de La Cenerentola foi um fracasso. Somente após a quinta apresentação, a ópera obteve um sucesso definitivo, que foi seguido por um sucesso ainda maior no Teatro La Scala de Milão, no dia 25 de agosto do mesmo ano. La Cenerentola mais tarde, viajou através de toda a Itália e o resto da Europa e foi um grande sucesso. Em 1844, foi a primeira ópera apresentada na Austrália. A primeira apresentação de La Cenerentola em New York teve lugar no Park Theater na baixa Manhattan em 27 de junho de 1826, tendo sido realizada pela companhia de Manuel García. Em uma versão sem os elementos sobrenaturais, a história da Cinderela adaptava-se perfeitamente aos presentes de Rossini para os enredos de surpresa, de fantasias e de confusão. A música brilhou desde a abertura até o rondó finale deslumbrante (o rondó é, na verdade, adaptado da ária final de Almaviva em Il Barbieri di Siviglia).Durante a primeira parte deste século, as apresentações de La Cenerentola foram raras devido à falta de talentos de coloratura de bel canto (uma única exceção foi a meio-soprano espanhola Conchita Supervia). Considerada como a obra prima de Rossini, somente após o período pós Segunda Guerra Mundial três excelentes meios-sopranos trouxeram de volta o esplendor da partitura musical de Rossini: Giuletta Simionata, Teresa Berganza e Marilyn Horne. O público musical pôde então apreciar o grande talento cômico de Rossini novamente.
SINOPSE
ATO I
A história se passa no final do século XVIII ou início do século XIX, na mansão em ruínas de Don Magnifico, barão de Montefiascone. Suas duas filhas, Clorinda e Tisbe, experimentam jóias vistosas enquanto Cenerentola (Cinderela), sua filha adotiva, que trabalha como criada da família, canta uma canção perdida no tempo sobre um rei que encontrou uma esposa entre os súditos comuns. Um mendigo aparece à porta (na realidade Alidoro, o tutor do príncipe) e as irmãs o mandam embora, mas Cenerentola oferece-lhe pão e café. Enquanto o mendigo fica à porta, vários cortesãos anunciam que o Príncipe Ramiro em breve fará visitas aos súditos; ele está procurando pela jovem mais bonita do reino para toma-la como sua noiva. As irmãs ordenam a Cenerentola para que traga mais jóias. Magnifico, despertado pela comoção, vem saber o que está acontecendo, ralhando com as filhas por interromperem seu sonho sobre um asno que criava asas. Quando fica sabendo sobre a visita do príncipe, diz a suas filhas para salvarem a fortuna da família casando-se e tornando-se uma princesa. Todos se retiram para suas habitações e o Príncipe Ramiro, disfarçado como seu próprio criado chega sozinho. Desta forma ele pode conhecer as mulheres da família sem que elas saibam quem ele é. Cenerentola assusta-se com o belo estrangeiro e ele parece também admirá-la. Quando o príncipe pergunta a Cenerentola quem ela é, ela lhe dá uma explicação envergonhada sobre a morte de sua mãe e sua própria posição como criada, em seguida se desculpa por ter que partir para atender ao chamado da irmãs adotivas. Quando Magnifico entra, Ramiro diz que o príncipe chegará logo. Magnífico manda vir Clorinda e Tisbe e ambas cumprimentam Dandini (na realidade o criado do príncipe, disfarçado na figura do próprio príncipe). As irmãs adulam Dandini, que as convida para um baile. Don Magnifico também prepara-se para partir para o baile, discutindo com Cenerentola que não quer ser deixada para trás. Ramiro percebe como Cenerentola é mal tratada. Seu tutor, Alidoro, ainda vestido como o mendigo que havia vindo anteriormente, verifica uma lista de recenseamento e pergunta pela terceira filha da casa. Magnifico nega que ela ainda esteja viva. Assim que Dandini parte com Magnifico, Alidoro diz a Cenerentola que ela deve acompanhá-lo ao baile. Ele se livra de seus andrajos, se identifica como um membro da corte (mas não menciona que é realmente o príncipe!) e assegura à jovem que os céus lhe recompensarão pela pureza de seu coração. Dandini, ainda se fazendo passar por príncipe, acompanha as duas irmãs na casa de campo real e oferece a Magnifico uma visita à adega, desejando que ele se embriague. Dandini se desembaraça das irmãs e diz que elas o verão mais tarde.Num quarto de vestir do palácio, Magnifico é saudado como o novo conselheiro de vinhos do príncipe. Ninguém, ele decreta, deverá misturar uma gota de água com qualquer vinho nos próximos quinze anos. Esperando com ansiedade pela festa, ele e seus criados partem. Dandini relata ao príncipe sua opinião negativa sobre as duas irmãs. Ramiro fica confuso, pois havia escutado Alidoro falar bem de uma das filhas de Magnifico. Clorinda e Tisbe reencontram Dandini; quando ele oferece Ramiro (que elas não percebem ser na verdade o príncipe!) como um acompanhante para uma delas, elas desprezam a companhia de um mero criado. Alidoro anuncia a chegada de uma dama desconhecida envolta em um véu. Ramiro reconhece algo em sua voz. Quando ela levanta o véu, Ramiro, Dandini e também as irmãs percebem que há algo familiar na aparência da jovem. Magnifico, que entra para anunciar a ceia, também fica confuso e percebe a semelhança da recém-chegada com Cenerentola. Todos sentem-se como em um sonho, mas à beira de serem acordados pelo mesmo choque brutal.
ATO II
Em uma sala do palácio, Magnifico preocupa-se com esta nova ameaça à elegibilidade de suas filhas, dizendo-lhes para não se esquecerem de sua importância quando uma delas subir ao trono. Ele sai com as jovens e logo em seguida entra Ramiro, chocado com a convidada recém-chegada, pela sua semelhança com a jovem que ele havia encontrado naquela manhã. Ramiro se esconde quando Dandini (ainda disfarçado em príncipe) chega cortejando Cenerentola, magnificamente vestida. Ela recusa educadamente, dizendo que já está apaixonada por outra pessoa - o criado dele. Ao ouvir isso, Ramiro feliz sai de seu esconderijo. Para testar sua sinceridade, a jovem lhe dá uma pulseira de um par de braceletes iguais, dizendo que, se ele realmente se importa com ela, ele a encontrará. Após sua partida, Ramiro, encorajado por Alidoro, reúne seus homens para que comecem uma busca. Mais uma vez, o criado do príncipe enfrenta Magnifico, que ainda acredita que ele é o príncipe, e insiste que ele decida com qual de suas duas filhas vai se casar. Dandini lhe diz ser somente um criado. Quando Magnifico reage indignado, Dandini lhe ordena que saia do palácio. Na casa de Magnifico, Cenerentola, mais uma vez vestida em farrapos, cuida do fogo e canta sua balada. Magnifico e as irmãs retornam, todos em péssimo humor, e ordenam a Cenerentola que lhes prepare a ceia. Ela obedece enquanto uma tempestade de trovões começa do lado de fora. Dandini aparece à porta, anunciando que a carruagem foi destruída do lado de fora. Cenerentola, ao trazer uma cadeira para o príncipe, percebe que ele é Ramiro, que por sua vez reconhece a pulseira. Cria-se uma confusão, quando Magnifico e suas filhas percebem o que está se passando. Irritado com tanta mesquinhez, Ramiro os ameaça, mas Cenerentola pede que ele mostre compaixão. Com a família ainda contra ela, Cenerentola parte com o príncipe, enquanto Alidoro agradece aos céus por este resultado feliz. Cenerentola e o Príncipe Ramiro casam-se imediatamente. Na sala do trono do palácio de Ramiro, Magnifico procura ganhar favores com a nova princesa, mas ela lhe pede somente para ser enfim reconhecida como sua filha. Segura em sua felicidade ela pede ao príncipe para perdoar Magnifico e as duas jovens: tendo nascido na desgraça, ela viu suas sortes mudarem. Mais humildes agora, o pai de Cenerentola e as irmãs adotivas a abraçam e ela declara que os dias passados ao lado do fogo acabaram.