A Sinfonia Tropical tem um único movimento. Escrita em 1958, conheceria, logo em
seguida, uma gravação histórica, regida pelo compositor. Um tema elegíaco e
melancólico, de espírito nordestino, é desenrolado pelo clarinete baixo e serve de fio
condutor. Há lembranças de Stravinsky, em particular do Pássaro de Fogo, e certas
sonoridades ‘amazônicas’ que evocam o Uirapuru, de Villa-Lobos. Este último
compusera, no mesmo ano de 1958, pouco antes de sua morte, a Floresta do
Amazonas, música de filme que virou peça de concerto. A Sinfonia Tropical possui
também algo da eloqüência sugestiva e paisagística da trilha sonora cinematográfica.
Nos anos de 1960, Mignone renegará esse passado ‘tradicional’, buscando modos de
vanguarda na politonalidade, no atonalismo, no serialismo, ou seja, aspirando a um
patamar intelectualmente ‘elevado’ para suas composições. Desse período, datam as
declarações críticas sobre sua própria obra.
Mais tarde, a partir dos anos de 1970, voltou mais uma vez ao espírito nacionalista,
que legitimava ao lembrar o apelido dos tempos de moço, Chico Bororó, e ao insistir
sobre sua participação em grupos populares e seresteiros, anteriores à viagem para a
Itália. A carreira de Mignone, portanto, traçou-se sob o peso de inflexões que
contrariaram seus impulsos mais íntimos. Isso não impediu que, a cada vez, ele
encontrasse uma solução artística. Sua música é habitada por uma felicidade
prazerosa. Mesmo nos momentos dramáticos, ela se entrega à alquimia feliz dos
timbres, à sensualidade dos ritmos. A beleza melódica brota-lhe espontaneamente. É
um mestre muito fino da orquestração. Vasco Mariz transcreve, no livro citado, o
trecho de uma carta que Francisco Mignone lhe escreveu em 1980: “Na idade provecta
a que cheguei, posso afirmar que sou senhor e dono, de direito e de fato, de todos os
processos de composição e decomposição que se fazem e usam hoje e amanhã. Nada
me assusta e aceito qualquer empreitada, desde que possa realizar música. O
importante para mim é a contribuição que penso dar às minhas obras. Posso escrever
uma peça em dó maior ou menor, sem dor nem pejo, assim como elaborar conceitos
de música tradicional, impressionista, expressionista, dodecafônica, serial, cromática,
atonal, bitonal, politonal e quiçá, se me der na telha, de vanguarda, com toques
concretos, eletrônicos ou desfazedores de multiplicadas faixas sonoras. Tudo se pode
realizar em arte, desde que a obra traga uma mensagem de beleza e deixe no ouvinte
a vontade de querer ouvir mais vezes a obra. Não acontece isso também nas outras
artes?”.
Fonte: Trecho do texto do encarte do CD, escritor por Jorge Coli, professor na área de História da Arte e da Cultura da Unicamp.
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