Aldo Parisot, importante violoncelista brasileiro com residência nos Estados Unidos, em 1961 encomenda um concerto para seu instrumento a Camargo Guarnieri. Havia algum tempo o compositor manifestava a vontade de escrever uma grande peça para violoncelo e viu na encomenda a oportunidade de concretizar sua idéia. Guarnieri pôs-se a trabalhar e, ao final de pouco mais de um mês, tinha quase pronto o que ele intitulou Choro para Violoncelo e Orquestra. A escolha do nome choro – ao invés do tradicional termo concerto – para esta e algumas outras obras com instrumento solista e orquestra, vinha sendo utilizada pelo compositor desde 1951. Guarnieri vivia então o período mais combativo de sua vida pois, apenas um ano antes, havia publicado a famosa Carta Aberta aos Críticos e Músicos do Brasil, na qual pretendia defender a produção musical brasileira de pretensas ingerências técnico-estilísticas estrangeiras. Essa preocupação traduziu-se no recrudescimento de suas posições nacionalistas e levaram-no, entre outras coisas, a justificar a opção por termos que expressassem mais diretamente “a linguagem musical nacional, própria do autor e com raízes na terra”. Curiosamente, continuou dando o nome de concertos para quase todas as suas obras para piano e orquestra. Apesar de a gestação do Choro para Violoncelo ter sido extraordinariamente rápida, houve por parte do compositor e do intérprete uma querela que se estendeu para além da estréia da obra. À medida que ia tomando contato com sua parte, Parisot passou a sugerir alterações que visavam facilitar determinadas passagens extremamente difíceis ou mesmo para que, a seu julgo, pudessem soar melhor. Evidentemente, a personalidade mercurial de Guarnieri aliada à confiança em seu próprio metier impeliram-no a resistir às demandas do violoncelista. Os atritos foram se acumulando até o ponto de Guarnieri, após ouvir a gravação da estréia (ocorrida em 1963 com a Orchestra of America e regida por Richard Korn, em Nova York), romper, por correspondência, definitivamente com o violoncelista, acusando-o de ter destruído a obra com sua interpretação. Verdade é que, à parte todo o desgaste havido para ambos, a iniciativa de Parisot significou o impulso primeiro para que Guarnieri compusesse uma das obras mais importantes da música brasileira para aquele instrumento. O Choro é constituído pelos três movimentos tradicionais do concerto, sendo o primeiro ligado ao segundo. O primeiro, decidido e apaixonado, é monotemático e tem, sobre um único motivo de cinco notas, quase todo o material de que Guarnieri se valerá para construir o movimento, idealizado como um desenvolvimento contínuo a partir da cadência inicial do violoncelo até a recapitulação do tema, em tutti, próximo ao final. O segundo movimento, calmo e triste, tem início após um sol ser filtrado do último acorde do movimento anterior pelos contrabaixos. Caminhando de um instrumento a outro, aquela nota transforma-se em um pedal que será ouvido por praticamente todo o tempo. Sobre ele, o solista desenvolve então uma melodia bastante terna e de expressividade intimista, bem ao gosto de Guarnieri. Contrastando radicalmente, o último movimento, com alegria, é frenético e requer virtuosidade extrema. A estruturação formal é a de uma sonata bi-temática modificada pois, imediatamente após a apresentação de cada tema, segue-se um desenvolvimento individual. A peça conclui com uma coda de forte apelo rítmico e de andamento mais acelerado. Texto de Antonio Ribeiro: compositor e professor da Escola Municipal de Música de São Paulo e da Faculdade de Música Carlos Gomes.
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