O poema sinfônico é uma forma musical cara aos compositores eslavos. É uma forma inspirada num argumento literário, propício para os vôos da imaginação musical, ao mesmo tempo em que permite caracterizar a música com elementos folclóricos regionais, fonte de inspiração dos músicos do nacionalismo romântico tardio. As tradições históricas, literárias e lendárias dos povos eslavos são riquíssimas. Nessa fonte Mussorgsky, Dvorák e Janácek buscaram idéias novas para várias de suas obras. “Entender” a música tem um sentido particular, quase explícito para alguns povos africanos, particularmente os de língua Bantu. Para eles, a altura relativa dos sons da fala é significante. Ou seja, se o ritmo e a “melodia da fala” são modificados o sentido das palavras fica alterado. Assim ao tocarem seus instrumentos melódicos e de percussão podemos dizer que os motivos melódicos e rítmicos de sua música estão recriando as estruturas da linguagem falada. Seus instrumentos “falam” sua música. Na música de concerto ocidental os códigos musicais são compreendidos de forma distinta, mas podemos observar que as características acústicas de determinadas línguas européias influenciaram as estruturas melódicas e rítmicas de sua música vocal, além de associações de determinadas estruturas musicais com determinadas emoções dos personagens. Entre vários exemplos, alguns: as terças amorosas de Cláudio Monteverdi, acordes de quinta justa nas óperas de Alban Berg no momento da morte de Maria em Wozzeck ou do Doktor Schön em Lulu, a busca de uma notação musical precisa e clara para a língua francesa cantada, de Rameau a Debussy. No final do século XIX, alguns compositores europeus começaram a se interessar pelas melodias populares de seus países, procurando através da coleta e estudo dessas canções, particularidades regionais que viessem caracterizar e enriquecer suas linguagens pessoais. Assim alguns aspectos dessa relação entre a palavra e a música foram resgatados, já que a música erudita há muito se havia distanciado dessa união, que quase sempre esteve presente quando da necessidade da renovação dos códigos musicais estabelecidos. Para esses compositores originalidade tinha um sentido explícito. Leos Janácek (1854 – 1928) foi um dos compositores que participou desse movimento e buscou sua origem musical. Seus estudos sobre a música folclórica de seu país, a antiga Tchecoslováquia, detectaram diferenças das estruturas melódicas e rítmicas das canções vindas de regiões diferentes. As canções folclóricas da Moravia, ritmicamente influenciadas pelos dialetos regionais, além de preservarem a influência do canto improvisatório e melismático da antiga Grécia e Bizâncio, contrastavam com as canções folclóricas da Bohemia, essas mais regulares e convencionais. Mesmo tendo muito em comum, a música destas duas regiões apresentava diferenças distintas: na Moravia as palavras são a inspiração para as melodias. Além dos estudos sobre a música popular, Janácek preencheu vários cadernos com anotações das melodias faladas do dia a dia, anotando com sutileza expressões corriqueiras ditas em diferentes situações. No dia 23 de fevereiro de 1903, sua única filha Olga estava preste a falecer. Ele se manteve ao seu lado e anotou em detalhes a entoação de suas derradeiras palavras: “Quando alguém fala comigo, ouço mais que as modulações melódicas da voz ou do que a pessoa está realmente querendo dizer. Tenho anotado essas melodias em meus livros de notas. Tenho uma vasta coleção deles. Eles são minha janela através da qual eu investigo a alma (das pessoas)”. Olga veio a falecer muito depois, em 1936. Janacéck não usava diretamente esses pequenos motivos da melodia da fala em suas composições, mas a partir delas criava uma “fala imaginária” para seus temas musicais. Mesmo seus dois quartetos para cordas “A Sonata Kreutzer” e “Cartas Íntimas”, formas geralmente consideradas puramente musicais, têm um programa literário, uma estória por trás da estrutura musical. Janacéck era um compositor eminentemente dramático. Além de suas óperas Jenufa, Kátia Kabanova, A Raposinha Astuta, A Excursão do Senhor Broucek à Lua, deixou uma série de poemas sinfônicos entre os quais se destaca Taras Bulba cuja primeira versão é de 1915. O programa desse poema sinfônico épico, Taras Bulba, inspirado no romance de Gogol, estabelece uma relação entre a luta pela independência dos Cossacos Zaporongos em 1628 e a esperança dos tchecos de ver o fim da dominação do império austro-húngaro sobre seu país no século passado. A obra está dividida em três movimentos que ilustram os momentos mais dramáticos da obra de Gogol: a morte de Taras Bulba e de seus filhos Andrei e Ostap. No primeiro movimento o corne-inglês e um violino solo evocam o amor do jovem cossaco Andrei por uma jovem, filha de um aristocrata polonês. Nesse primeiro movimento, o órgão evoca as preces dos habitantes sitiados e, no terceiro movimento, suas sonoridades evocam a fé do herói, a força do povo russo. A história se passa na cidade de Dubno, cercada pelos cossacos. Andrei entra na cidade por uma passagem secreta para encontrar-se com sua amada. Quando estão um nos braços do outro, escutam o ruído do combate. Andrei toma partido dos poloneses contra seu povo. Na música esse encontro amoroso tendo como fundo os sons da batalha, é ilustrado pela alternância de momentos líricos e fortíssimos orquestrais, com a intervenção do carrilhão. Um violento tema tocado pelo trombone, violoncelo e contrabaixos leva um clímax. É o tema de Taras Bulba que assassina seu filho que não oferece resistência, considerado um traidor pelo seu povo. Um epílogo sobre algumas reminiscências encerra o movimento. No segundo movimento a música evoca execução pública do segundo filho de Taras Bulba, Ostap, capturado e torturado pelos poloneses. Nesse segundo movimento um ostinato de harpa é acompanhado por notas longas nas madeiras, interrompidos bruscamente por uma passagem estridente nas cordas. Essa seqüência é repetida quatro vezes sempre com variações harmônicas e de orquestração. É uma espécie de marcha fúnebre que culmina numa mazurca selvagem que celebra o triunfo dos poloneses. A requinta é o último apelo desesperado de Ostap. O movimento termina abruptamente. O terceiro movimento intitula-se Profecia e Morte de Taras Bulba. Também capturado pelos poloneses o herói russo é amarrado a uma árvore e queimado vivo. Quando as chamas sobem, ele tem a visão de seus companheiros que escaparam dos poloneses e professa o inevitável triunfo de seu povo. Nesse final majestoso, Janácek se apega ao ideal do chefe cossaco: “Não existem fogos nem sofrimentos que possam vencer a força russa. É sobre essas palavras, parecidas com as faíscas da fogueira sobe a qual morreu Taras Bulba, que escrevi esta rapsódia, a partir da obra de Gogol”.
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