quarta-feira, 30 de maio de 2007

DEBUSSY, Claude - Trois chansons

A língua francesa, por suas características acústicas, levou vários compositores a buscar uma linguagem melódica adequada para expressar suas sutilezas fonéticas. Se para alguns, o francês serve mal ao canto lírico, com seus ditongos surdos, vogais nasais e fechadas, acentuação quase sempre invariável na última sílaba, “erre” gutural e vogal “e” muda, existe uma centena de obras primas, de Josquin a Debussy, para provar exatamente o contrário – considerando também que o francês falado sofreu mudanças significativas no correr dos séculos.
Trois Chansons
No caso de Debussy, em particular na ópera Pélleas et Melisande, a necessidade de um resgate desse cantar em francês levou o compositor a buscar uma forma de declamação ou um tipo de arioso melódico que respeitasse e valorizasse as cores e articulação da língua, que se encontrava um pouco adormecida depois da influência poderosa dos melodramas italiano e alemão na criação de seus contemporâneos.
Essa busca não está somente na questão da fonética, mas também numa recapitulação de modelos melódicos, harmônicos e rítmicos da música francesa e até mesmo dos arabescos gregorianos e do organum medieval. A chanson francesa utiliza também uma certa cor popular da melodia, uma temática que, muitas vezes, ilustra sonoramente alguns textos onomatopaicos e fenômenos da natureza. Se na Renascença o estilo de composição faz uso abundante da imitação e de outras formas contrapontísticas, no século XX ela tem uma característica mais homofônica.
Pélleas et Melisande é uma obra chave para os compositores franceses do século passado. Nos quase 10 anos em que o compositor perseguiu seus objetivos, não só resgatou valores como também criou um estilo pessoal e contemporâneo. Sua estética do vago e do evocativo foi depois transformada num estilo mais clássico, com linhas melódicas mais definidas, no caso de Ravel, e mesmo numa forma neoclássica no caso de Poulenc.
Em 9 de abril de 1909, Debussy estréia nos Concertos Colonne suas Trois Chansons de Charles d"Orleans para coro misto sem acompanhamento. Ao contrário de outros concertos anteriores, onde a platéia se dividia em duas turbas rivais, os debussistas e os anti-debussistas, as peças foram recebidas com caloroso aplauso, tanto que as duas últimas tiveram de ser reprisadas e as dissidências se anularam. A crítica um pouco exasperada pelas constantes surpresas a cada estréia do compositor, não se deixou seduzir por essa fusão do arcaico e do moderno.
O texto de Charles d"Orleans, avô do rei François I – em cujo reinado floresciam às centenas as chansons parisiennes de Clément Janequin, Pierre Passereau, Pierre Certon, Gombert, Jacques Clément entre outros, amplamente divulgadas graças à invenção da imprensa. Na busca desse resgate das qualidades musicais francesas, Debussy volta a um período particularmente fértil da música de seu país, onde mais de 1.500 peças foram editadas, numa diversidade de estilos extraordinária: imitação livre, homofonia, subdivisão do coro com respostas em eco, onomatopéia e polirritmia.
Debussy já havia composto duas das três peças em 1898, quando dirigiu um coral amador do mecenas Lucien de Fontaine. Sua grande habilidade no acompanhamento de vários cantores ao piano, desde a época em que era aluno do Conservatório de Paris proporcionou-lhe uma intimidade com o canto camerístico, experiência que usou com mestria na composição de dezenas de canções e algumas obras para vozes e orquestra.
Suas Trois Chansons não são tematicamente relacionadas. A primeira, Dieu! Qu"il la fait bon regarder! é uma oscilante e terna canção de amor; a segunda, uma melodia com acompanhamento vocal que evoca um tamborim pastoral; e a terceira, exprobra o inverno por sua impiedade e vileza.
Talvez na procura do resgate de novas cores de uma música antiga, Debussy tenha tentado também reavivar aqueles “pequenos povos encantadores que aprenderam a música tão simplesmente quanto se aprende a respirar. Seu conservatório é: o eterno ritmo do mar, o zunir do vento nas folhas, e mil pequenos ruídos que eles ouviram com cuidado, sem nunca consultar arbitrários tratados. Suas tradições só existem em velhíssimas canções, misturadas com danças, a que cada um, século após século, trouxe sua respeitosa contribuição”.
Sobre Debussy e Ravel, escreveu Vladimir Jankélévitch: “se um pouco de lucidez ajuda a diferenciar esses dois grandes criadores, muita lucidez os aproxima”.
Roland de Candé estabelece um interessante paralelo entre as duas personalidades: “Debussy é mais inteligente que Ravel, mas seu caráter é menos firme, é mais influenciável e cede de bom grado à complacência, ele é amoral e voluptuoso. Ravel é moralmente austero e inabalável, sem hipocrisias nem complacência. Nascido em uma família modesta, Debussy formou-se ao azar de encontros, na entourage aristocrática de Madame von Meck (...) nos cafés da boemia. Ao contrário, a personalidade de Ravel se desenvolveu num meio familiar burguês abastado, sábio e cultivado. Suas formações musicais foram sensivelmente diferentes: o primeiro se diz aluno de Massenet (falso, mas significativo), o segundo foi aluno de Fauré. (...) O primeiro é um experimentador sempre insatisfeito, o segundo um construtor minucioso que conhece a fundo o material que utiliza”. EDUARDO GUIMARÃES ÁLVARES

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