quarta-feira, 20 de junho de 2007

MOZART, W. A. - Die Entführung aus dem Serail

ANTECEDENTES POLÍTICOS
O IMPÉRIO OTOMANO E O OCIDENTE
No início do século XVII, o Império Otomano era o Estado mais poderoso do mundo, centralizado no que hoje é Turquia e englobando desde o sul da Hungria a Jerusalém, a Meca, ao Cairo, ao final da fronteira leste da Algéria. As ambições territoriais dos otomanos incluíam até a Áustria; eles sitiaram Viena pela primeira vez em 1529 e depois em 1683. No seu apogeu, o Império Otomano era famoso por seu poderoso e eficiente governo centralizado, pela proeza militar e riqueza extraordinárias. Contudo, o século XVII marcou o início de um longo e vagaroso declínio que eventualmente levaria à dissolução do império 300 anos mais tarde, depois da Primeira Guerra Mundial.
A bravura, poderio e riqueza dos otomanos procediam das contínuas conquistas. No século XVII, o Império havia atingido sua maior extensão territorial da história e o processo de novas conquistas foi estagnado. Sem a aquisição de novos territórios, o império enfrentou carência de mão-de-obra, dificuldades financeiras e perda de confidência. Líderes otomanos cercaram Viena pela segunda vez em 1683 na esperança de que uma nova conquista restaurasse a glória do império. Em lugar disso, os exércitos otomanos foram derrotados por uma coalizão européia. O insucesso da conquista foi um dos primeiros sinais para o mundo exterior de que o poder do império começava a ceder. Outras derrotas sucederam o frustrado cerco de Viena, incluindo a conquista da Hungria pela Áustria. Em 1699, o Tratado de Karlowitz levou paz às fronteiras do noroeste europeu – em troca do território na península balcânica que há muito era controlado pelo império otomano. No tempo de Mozart, os otomanos (“turcos”) já não eram uma séria ameaça aos vienenses – mas ainda eram uma memória recente.

JANÍZAROS
Originalmente a infantaria pessoal do sultão, os janízaros eram guardas de uma força elite. Sob as leis otomanas, as comunidades cristãs, principalmente nos Bálcãs, tinha que abrir mão de determinado número de garotos entre 8 e 15 anos. Os jovens que demonstrassem mais força e inteligência eram selecionados pelo sultão para entrar na escola do palácio, onde eram convertidos ao Islamismo e recebiam uma educação erudita em línguas, literatura, história, e artes sociais e militares. Aqueles estudantes que se sobressaiam no palácio ganhavam os mais altos e poderosos postos governamentais no Império. Lá, eles eram livres para crescer até onde sua ambição e talento os permitisse. Os garotos que não ingressavam na escola do palácio eram convertidos ao Islamismo, submetidos a treinamento militar rigoroso e imergidos completamente na cultura do povo turco. Estes se tornavam os janízaros, o corpo militar de elite do sultão. A vida dos janízaros era dedicada ao serviço militar: eles viviam juntos nos quartéis e não podiam ser dono de propriedades, casar, ou realizar nenhum tipo de trabalho. Foram legendários por sua proeza militar e pela música percussiva inigualável que tocavam durante a batalha.

MÚSICA DOS JANÍZAROS
Os vienenses provavelmente escutaram as bandas dos janízaros durante o cerco de Viena em 1683 e devem ter ficado impressionados com sua insistente força percussiva. As bandas dos janízaros eram primordialmente compostas de instrumentos de percussão – tambores de diferentes timbres, pandeiros, sinos, triângulos, pratos e arcos turcos. Christian Schubart, musicólogo alemão do século XVIII, escreveu sobre a música dos janízaros: “Nenhum outro gênero musical requer um pulso tão decidido, firme e predominante. O primeiro tempo de cada compasso é tão acentuado que se torna impossível perder o ritmo” .
Em 1820, o rei da Polônia ganhou uma banda de janízaros completa do sultão otomano. Logo, monarcas europeus da Rússia à Inglaterra lutavam por sua banda pessoal para utilizá-la em desfiles militares. Hoje, os instrumentos janízaros ainda fazem parte de grande maioria das bandas militares européias. Em verdade, a banda dos janízaros é a ancestral da seção de percussão da orquestra moderna que incorpora tambores, pratos e triângulos, instrumentos com raízes janízaras.
O empenho dos compositores em incorporar os sons percussivos das bandas dos janízaros — principalmente para evocar o folclore local em obras de inspiração turca — resultou num reconhecido “estilo turco” durante o fim do século XVII e início do século XVIII. O estilo geralmente consistia numa marcha em 2/4 com um pedal na tônica, muita percussão, uma melodia apimentada com apojaturas dissonantes e harmonias simples. De fato, os “efeitos turcos” se tornaram tão populares durante o tempo de Mozart que os fabricantes de piano responderam à moda incorporando os pianos com sinetas, pandeiros, pratos, bombos e afins. O coro janízaro em Die Entführung é um excelente exemplo do estilo turco.

A MODA TURCA NA EUROPA
Depois do cerco de Viena em 1683, a figura do turco se tornou popular em toda a Europa. Os europeus estavam fascinados com o que eles pensavam pertencer à cultura turca: haréns, roupas exóticas, cachimbos de água e torturas cruéis. A fantasia de turco era uma escolha popular nos bailes de máscara e personagens turcos apareceram em todos os tipos de peças teatrais e óperas. Die Entführung aus dem Serail [O Rapto do Serralho] veio na cola de outras peças e óperas populares de conotação turca de onde o dramaturgo Bretznner e a libretista Gottlieb Stephanie, a mais jovem, provavelmente tomaram emprestado alguns personagens e enredo. Por exemplo, O Sultão ou Uma Espiada no Serralho tinham um carcereiro do harém chamado Osmin e uma escrava inglesa muito parecida com Blonde. La Schiava Liberata (A escrava Libertada) continha uma personagem turca chamada Selim que mantém duas mulheres em cativeiro.

SINGSPIEL
Na Áustria de Mozart, o termo Singspiel era utilizado como o equivalente alemão de “ópera”. Vale notar que Die Entführung aus dem Serail (O Rapto do Serralho) foi escrito para o recém estabelecido Singspiel Nacional de Joseph II, criado para encorajar a execução da ópera alemã – não obstante a preferência vienesa pela ópera italiana. Foi somente no século XIX que o termo Singspiel começou a ser utilizado como termo representativo de óperas mais curtas e cômicas.
Hoje, o termo Singspiel designa um gênero de ópera alemã que combina canto com diálogo falado. Tal como a opereta, os argumentos dos Singspiels tendem ao cômico ou heróico e a forma do Singspiel é considerada mais vernácula e popular do que as óperas durchkomponiert*. Die Entführung aus dem Serail é um Singspiel, Assim como Die Zauberflöte (A Flauta Mágica). A ópera Fidelio de Beethoven é outra obra comumente caracterizada — porém impropriamente — como um Singspiel.
*Termo que descreve uma peça onde a música é desenvolvida sem repetições até o final, contrário à forma estrófica, onde uma peça consiste de várias estâncias de métrica similar cantadas à mesma melodia.

Personagens

Paxá Selim (papel falado) – um ex-cristão convertido ao Islamismo que se tornou um senhor otomano rico (paxá).

Konstanze (soprano) – Uma jovem bela e romântica, noiva de Belmonte. Quando a ópera inicia, ela havia sido raptada por piratas turcos e vendida como escrava para o Paxá Selim.

Blonde (soprano) – a perspicaz empregada inglesa de Konstanze, apaixonada por Pedrillo. Ela foi raptada juntamente com sua senhora e vendida ao Paxá, que a deu como presente à Osmin.

Belmonte (tenor) – um jovem nobre espanhol enamorado de Konstanze. Ele seguiu a pista de Konstanze, Blonde e Pedrillo ao palácio do Paxá Selim e pretende resgatá-los da escravidão. Isso é mais fácil de falar do que fazer; Belmonte pode ser rico e belo, mas ele é demasiado romântico para ser um resgatador.

Pedrillo (tenor) – O criado divertido, astuto e engenhoso de Belmonte. Depois de ser seqüestrado e vendido ao Paxá, ele se tornou jardineiro do palácio — um posto que lhe permite comunicar-se secretamente com sua amada Blonde.

Osmin (baixo) – o velho vigia da casa de campo do Paxá. Ele vigia diligentemente o harém, sua escrava Blonde incluída, e suspeita de qualquer estranho.

Klaas (papel falado) – Um marinheiro que auxilia Pedrillo e Belmonte no resgate de Konstanze e Blonde.

Sinopse

ANTES DO INÍCIO DA ÓPERA

Belmonte, um jovem nobre espanhol, está profundamente apaixonado por sua noiva, a bela Konstanze. Contudo Konstanze — juntamente com Blonde, sua criada inglesa, e Pedrillo, o servente de Belmonte — foi raptada por piratas turcos e vendida como escrava ao Paxá Selim. Atualmente Konstanze é a mulher favorita no harém do Paxá Selim. Blonde, que é apaixonada por Pedrillo, foi dada como presente ao vigia do harém, um velho gordo chamado Osmin. Pedrillo trabalha no jardim do Paxá. No início da ópera, Belmonte seguiu a pista de seus amigos ao palácio à beira-mar do paxá.

ATO I

A praça em frente ao palácio do Paxá Selim. Belmonte finalmente encontra o palácio onde sua amada está cativa e fica em frente dos portões ponderando sobre seu próximo passo. Ele vê Osmin em cima de uma escada apanhando figos e decide interrogar o velho. À princípio, Osmin grosseiramente se recusa a responder as perguntas de Belmonte sobre o dono do palácio — mas quando Belmonte menciona o nome de Pedrillo, Osmin encoleriza-se. Clamando que Pedrillo deve ser torturado e morto, Osmin afugenta Belmonte.
Agora aparece Pedrillo, alegando que quer fazer as pazes com Osmin. Osmin rejeita a oferta acusando Pedrillo de maquinar para se aproximar das mulheres do harém que ele vigia. Osmin lista uma saraivada de torturas a que gostaria de submeter Pedrillo e depois sai.

Belmonte encontra Pedrillo, e senhor e criado se reúnem em júbilo. Belmonte pergunta ansioso sobre o paradeiro de Konstanze. Pedrillo informa a ele que Konstanze é a favorita do Paxá — mas já que o paxá se recusa a impor um relacionamento, ela segue fiel à Belmonte. De quando em vez, o trabalho de jardineiro de Pedrillo lhe dá condições de entrar sorrateiro no harém e estabelecer contato com Konstanze e Blonde. Belmonte anuncia que veio preparado com um barco para resgatar seus amigos. O astuto Pedrillo começa a planejar a fuga do palácio.

Paxá Selim e Konstanze, que estavam num cruzeiro de prazeres, retornam ao palácio acompanhados por um coro de janízaros cantando em glorificação do monarca. O frustrado Selim queixa-se de que, apesar de todo seu romantismo, Konstanze não o ama. Konstanze confessa que ela ainda ama seu antigo noivo. Ela implora que Selim a mate em lugar de forçá-la a desonrar seu amor. Selim, que está verdadeiramente apaixonado pela moça, concede-a mais um dia para que ela sofra por seu amor perdido — mas adverte que ao final do dia, ela terá que submeter-se a ele.

Pedrillo dirige-se ao Paxá, apresentando Belmonte como um jovem e promissor arquiteto. Encantado com a aparência do jovem moço, o Paxá lhe promete uma entrevista no dia seguinte. A sós, Pedrillo e Belmonte tentam infiltrar-se no jardim para falar com Konstanze mas são surpreendidos por Osmin. Belmonte e Pedrillo tentam ludibriar o velho mas Osmin, convencido de que eles estão tentando enganá-lo, ordena que se retirem imediatamente. Depois de uma tensa escusa, Belmonte e Pedrillo finalmente conseguem entrada no palácio.

ATO II

Dentro do jardim do Paxá. Blonde ridiculariza Osmin por seu desabrimento com as mulheres; ele a trata como uma escrava quando deveria bajulá-la e cuidá-la com carinho. Insultado, Osmin aponta que ela é uma escrava mas Blonde replica que ninguém pode forçá-la a fazer coisa alguma. Se Osmin quer alguma coisa dela, diz Blonde, ele não vai conseguir com ordens — ele vai ter que implorar. Depois ela afugenta Osmin ameaçando arrancar-lhe os olhos.

Entra Konstanze, solitária e com saudades de Belmonte. Blonde a consola dizendo que eles devem esperançar pelo melhor. Selim chega para informar a Konstanze que o dia está quase terminado; em breve, ela deverá amá-lo, senão... Konstanze replica que ninguém pode exigir amor e que a tortura e morte não a assustam.
Blonde e Pedrillo se encontram secretamente no jardim. Pedrillo diz a Blonde que Belmonte veio resgatá-los. O plano é simples: Pedrillo vai drogar Osmin com um soporífero e, à meia-noite, Belmonte irá subir nas paredes do harém com uma escada e levar Blonde e Konstanze de volta a seu navio.

Sozinho, o amedrontado Pedrillo se prepara para a difícil noite chegante cantando uma canção sobre lealdade. Osmin se aproxima, suspeitando imediatamente do bom humor de Pedrillo. Pedrillo explica que um bom vinho faz até mesmo a mais bruta escravidão parecer doce. Como prova, ele incita Osmin (que sendo muçulmano nunca ficou bêbado) a beber um pouco de vinho. Osmin toma um trago e logo ambos estão cantando louvores báquicos. Osmin fica sonolento por causa do sonífero e Pedrillo o leva à cama, deixando o harém desprotegido e pronto para que Belmonte cumpra com sua missão de resgate.

Konstanze e Belmonte se encontram no jardim. É a primeira vez que se encontram depois do seqüestro. Ambos reafirmam o amor que sentem um pelo outro. Belmonte e Pedrillo perguntam a suas mulheres se elas lhes foram fiéis. Blonde dá uma tapa em Pedrillo como resposta enquanto as lágrimas de Konstanze convencem Belmonte de que ela é fiel. Contentes, os quatro amigos anseiam por sua fuga naquela noite.

ATO III

Na praça em frente ao palácio do Paxá, mais tarde naquela noite. Sob o cobertor da escuridão, Pedrillo e Klaas, um marinheiro, colocam uma escada contra a parede do harém. Pedrillo entra sorrateiro no palácio para ter certeza de que não há perigo à vista, enquanto Belmonte disfarça cantando uma canção sobre Konstanze.
Apascentando seus nervos, Pedrillo dá o sinal verde para que o resgate comece cantando uma canção sobre uma linda garota resgatada de um harém. Konstanze escuta o sinal e abre a sua janela, deixando que Belmonte, subindo uma escada, entre no seu quarto. Belmont e Konstanze fogem correndo do palácio para a praia. Enquanto isso, Pedrillo sobe na casa de Osmin para resgatar Blonde. Mas um criado mudo alerta Osmin (que ainda está ébrio) sobre o rapto. Osmin chama os guardas. Blonde e Pedrillo se dão conta de que estão presos dentro da casa de Osmin. Eles tentam fugir, mas logo são capturados pelos guardas que também prendem Belmonte e Konstanze. Osmin, triunfante em sua vingança, leva os quatro espanhóis.

Todo o barulho no pátio do palácio acordou o Paxá Selim que exige de Osmin uma explicação. Osmin conta que ele preveniu Konstanze de ser raptada. Belmonte e Konstanze são levados perante o Paxá. Selim, furioso, acusa Konstanze de comprar tempo para enganá-lo. Konstanze responde que Belmonte é seu amado e implora ao paxá que mate-a se necessário, mas que tenha misericórdia da vida de seu amado. De sua parte, Belmonte oferece ao Paxá uma grande soma pelo resgate, já que ele provém da rica família dos Lostados.
Selim se impressiona ao descobrir a identidade de Belmonte. Acontece que o pai de Belmonte, o comandante de Oran, uma vez roubou a noiva, fortuna e reputação de Selim e terminou expulsando Selim do país. O paxá vibra por ter o filho de seu maior inimigo sob seu poder. Belmonte está assolado, certo de que o Selim vai torturar e matar a todos eles. Os amantes se conformam apenas com a idéia de que ao menos morrerão juntos.

Selim se apronta para julgar os amantes. Belmonte ordena que o Paxá cumpra sua vingança — mas Selim tem outros planos. O Paxá declara que ele odeia o pai de Belmonte a tal ponto que nunca vai imitar a crueldade dele. Ele liberta os quatro amantes para que eles possam voltar e contar ao pai de Belmonte sobre a magnânima atitude de Selim.
Todos ficam maravilhados com a compaixão do Paxá. Encorajado, Pedrillo implora ao Paxá que também liberte a ele e Blonde. Selim concorda. Todos com exceção de Osmin — que está irado o suficiente para torturar várias pessoas — se unem num coro celebrando a libertação dos espanhóis.

Extraido do site: http://archive.operainfo.org/

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